Por um ano, a vida da influenciadora e nutricionista Sol Meneghini foi do céu ao inferno por causa de seu último relacionamento. Acreditando ser uma situação momentânea, deixou que ela se estendesse até o ponto que um médico intervisse. “Comecei a perceber que tinha algo errado quando vi que eu não estava bem, não estava feliz. Estava muito triste, deprimida e me vi coagida na minha própria casa”.
Mas a situação de Sol, infelizmente, é algo recorrente no Brasil. Três em cada cinco mulheres sofrem, sofreram ou sofrerão por relacionamentos abusivos.
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De acordo com a Organização Mundial da Saúde, em 2019, 243 milhões de mulheres sofreram violência física, sexual ou psicológica e no mesmo ano, o Ligue 180 registrou um total de 1,3 milhão de atendimentos telefônicos, sendo 6,5% de denúncias de violações contra a mulher.
É difícil sair do fundo do poço sem perceber que está nele. “Procurei ajuda profissional, mas já estavam em um estado de depressão profunda, muito abalada. Não foi fácil de acreditar e aceitar a situação na qual eu estava, não me reconhecia mais”, conta.
Por trás dos ataques
“Antes de falar sobre relacionamentos abusivos, precisamos falar de relacionamentos”, alerta Gabriela Manhães (CRP 05/44757), Psicóloga Clínica e Mestra em Psicologia Jurídica com foco em vítimas de violência e relacionamentos. “Quando, numa relação entre duas pessoas, uma delas se sobrepõe à outra determinando como ela deve ser, moldando para ser de maneira diferente do que ela é, estamos falando de uma forma de abuso.”
Mas, para ela, esse comportamento começa muito antes da relação amorosa. “Quando os pais agem com os filhos de forma que invalida os seus sentimentos, seja diminuindo o que sentem ao invés de acolher e educar os afetos, ou desqualificando os seus interesses e gostos pessoais, há uma sobreposição dos pais sobre os filhos que não caminha no sentido de educar, mas de ensinar a não acreditarem em si mesmos e naturalmente desenvolver uma baixa auto estima.
A partir disso, crescem indivíduos que permitem que os outros determinem quem eles são, que é exatamente o que acontece nas relações amorosas de abuso.” Como consequência das ações passadas, são construídos indivíduos inseguros que se tornam pessoas abusivas no futuro; ou indivíduos que buscam por reproduzir a relação ambivalente que aprenderam como sendo amor. Alguns, que certamente tiveram outra figura representando o amor de forma segura na infância, são os que saem ilesos ou menos impactados por essa primeira experiência nociva com o amor.
A psicóloga relata que existem 3 passos no relacionamento abusivo: manipulação, dúvida e destruição de autoestima. “O indivíduo abusivo costuma ser inseguro, e nessa insegurança é que busca mecanismos para se sentir seguro e garantir que não será abandonado. A questão aqui está nesses mecanismos, que não são usados como forma de desenvolvimento saudável dos seus afetos, mas sim de maneira que manipula o(a) parceiro(a).”
Manipulação
Ele começa ao atrair a pessoa para si, levando-a a acreditar que seja a sua melhor opção, não economizando nas estratégias manipuladoras: mentiras, omissões e enganos. Com mentiras em cima de mentiras, à medida que a relação segue é preciso administrar o que foi posto até ali.
Dúvida Leva a outra pessoa a questionar a si mesma e suas percepções; nesse passo, dá-se início a uma jornada devastadora para a vítima.
Destruição da autoestima
São feitas críticas sutis às suas roupas, seu modo de falar ou de agir, ainda de maneira manipuladora, demonstrando preocupação e levando a acreditar que as intenções são as melhores.
O árduo reencontro com si mesmo
Para Gabriela, o relacionamento abusivo não acaba quando termina. “É importante manter o acompanhamento psicológico mesmo após o afastamento do abusador. Identificando as marcas deixadas por essa vivência, a vítima é acolhida pelo profissional e acompanhada no processo de elaboração dessa vivência, pelo tempo que for necessário.”
Mas nem sempre esse reconhecimento é fácil. Sol explica que os traumas deixados são incontáveis. “Além de ser mulher, tenho autismo e TDAH, então os danos foram bem piores. Faço tratamento contínuo com psiquiatra, psicóloga e neuropsicóloga. Não consigo confiar nas pessoas, ando com medo na rua, não consigo trabalhar, ou seja foi mais de um ano de tortura psicológica com muitos danos, por mais que eu tente, saia, tente estar com os amigos, o estrago foi grande, não vejo a mesma pessoa de antes.”
“Procure ajuda ou profissional ou desabafe com alguém da sua confiança. A única forma de sair desse ciclo, de evitar mais sofrimento ou coisa pior é contando para alguém”, aconselha Sol.