“Ele subiu o morro sem gravata
Dizendo que gostava da raça
Foi lá na tendinha bebeu cachaça
Até bagulho fumou”
“Jantou no meu barracão e lá usou
Lata de goiabada como prato
Eu logo percebi é mais um candidato
Para a próxima eleição, é”
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A letra acima é de “Candidato Caô Caô” gravada pelo mais famoso dos malandros cariocas Bezerra da Silva no álbum “Violência gera violência”, de 1988. A faixa composta pelo mestre de capoeira Walter Meninão e Pedro Butina aborda um candidato político que sobe o morro desejando votos, fica amigo dos moradores e engana a população após eleito. Sem dar muito espaço para os desânimos da política, ao contrário de Bezerra da Silva, foi assim que Seu Jorge e Alexandre Pires celebraram o primeiro grande show da cidade de São Paulo na retomada de eventos da principal capital brasileira. Foi o segundo show da turnê Irmãos após abertura recente do projeto em Portugal. O tom do espetáculo que ocupou por mais de duas horas, o Allianz Parque foi de celebração, otimismo e também de nostalgia, sentimento este que sensibilizou a memória afetiva do mundo inteiro nos últimos dois anos. Pandemia? Pelo menos não ali naquele momento, onde os músicos abriram o espetáculo orquestrado de “samba big band” com a leve e romântica “Eu Sou o Samba”. Logo a seguir, Seu Jorge revisitou um dos seus maiores hits ao contar a história de um marido que está sexualmente e moralmente dividido entre a esposa e a melhor amiga de sua companheira.
Com seu malandro chapéu-panamá Alexandre Pires se uniu ao eterno Mané Galinha (Seu Jorge) para resgatar pagodes e cancioneiros que fizeram os brasileiros “subirem o morro” nas últimas décadas. Algumas das vendedoras que perambulavam pelo estádio também carregavam na cabeça, o ornamento chave do malandro carioca. As cores, figurinos e show procuraram recriar no local, a mesma ideia duma transmissão virtual feita pelos músicos pretos intitulada “Live Irmãos” realizada há um ano e meio pela dupla durante momentos críticos da pandemia. Em dado momento do show, Alexandre Pires, num raro momento mais sério, sugeriu o quão importante era aquele momento de renascimento da alegria das pessoas após tantas vidas perdidas. O importante ali naquele momento, era a festa, ao vivo e a cores com o calor humano saindo das telas que nos acompanharam por tantos e tantos meses. Virtual ali naquele momento somente os corpos negros dos bailarinos e artistas negros vistos nos telões indicando uma celebração duma verdadeira supremacia preta pós-pandemia. O telão, aliás, foi outra peça chave do show ao valorizar em preto-e-branco mesmo, o punch dos graves de Seu Jorge durante o smash hit “É Isso Aí”.
Já os movimentos e harmonia do trio de backing vocals foram um dos maiores deleites do show remontando por vezes aos grupos de soul music das décadas de 60 e 70 nos EUA. Quem esteve no Allianz Parque, com certeza, pode confirmar que os artistas Kauê Damázio, Nando Viana e João Júnior pontualmente roubaram holofotes da dupla de astros principais em diversos momentos. Alexandre Pires, que o diga, já que ele acabou se juntando ao trio de músicos para alguns passinhos de dança em divertidíssimos momentos que rememoraram a já marcante performance dos artistas no Domingão do Huck (confira um aperitivo do que rola na Turnê Irmãos abaixo).
O clima da primeira grande festa pós-pandemia em São Paulo teve muitos fogos de artifício, chuvas de papel picado, dança, melismas e pouquíssimo espaço pra política. A julgar pelo estádio freneticamente cheio e animado após dois anos parado, ainda bem. O malandro carioca, este símbolo de resistência para muitos, afinal de contas, não seria tão político como já apontou Machado de Assis. Ou seria?
Confira setlist completo do show “Irmãos” e o vídeo de apresentação do projeto abaixo:
1. EU SOU O SAMBA
2. É BOM DEMAIS / OUTDOOR
3. AMIGA DA MINHA MULHER
4. DOMINGO
5. CAROLINA
6. FINAL FELIZ
7. PESSOAL PARTICULAR
8. QUE SE CHAMA AMOR
9. NA RUA, NA CHUVA, NA FAZENDA
10. A DOIDA
11. QUANDO É AMOR / MINHA METADE
12. QUEM NÃO QUER SOU EU
13. TIRA ELA DE MIM
15. SÃO GONÇA
16. QUEM DERA
17. ALMA DE GUERREIRO
18. MINEIRINHO / SAI DA MINHA ABA
19. VIZINHA
20. COLEÇÃO
21. NECESSIDADE
22. TEMPO PERDIDO
23. É ISSO AÍ
24. ESSA TAL LIBERDADE
25. TIVE RAZÃO
26. DEPOIS DO PRAZER
27. MINA DO CONDOMÍNIO
28. BURGUESINHA
29.FELICIDADE
BIS
31.DESCOBRIDOR DOS SETE MARES
32. MEDLEY JORGE BEN (MAS QUE NADA / TAJ MAHAL / FILHO MARAVILHA / PAIS TROPICAL)