O jornalista Fernando Berenguel bateu um papo com o autor e especialista sertanejo André Piunti. Escritor da obra “Bem Sertanejo – A História da Música Que Conquistou o Brasil”, o também jornalista falou sobre as supostas carreiras internacionais de Simaria e Gusttavo Lima, comentou o fenômeno Ana Castela e também esmiuçou o sucesso póstumo de Marília Mendonça.
Confira a conversa abaixo:
Carregando...
Não foi possível carregar anúncio
O sertanejo flertou com a bachata latina nos últimos tempos e agora vem flertando com as batidas dançantes do Agronejo. Você acha que a nova moda veio pra ficar? Qual o papel de Ana Castela nesta nova cena?
“A gente tem sempre algum ritmo, alguma coisa que está pautando durante um momento o sertanejo. A gente teve o arrocha que foi muito forte, uns dez anos atrás, a gente teve na pandemia o piseiro, tem o lance da bachata que o Gusttavo Lima foi um cara que investiu muito nisso e aí muita gente foi nesta onda. E você tem esse estilo da Ana Castela hoje que mistura muito gêneros musicais e que também tem influenciado principalmente uma turma nova de artistas. A Ana é muito interessante como artista, mas também como uma pessoa que dá uma sobrevida muito boa pro mercado né?”.
“Junto com a Ana tá vindo um monte de gente. A Ana começou a virar referência para pessoas, artistas e escritórios que olham pra artistas da faixa etária dela. A Ana tem 19 anos e era uma pessoa que até antes da pandemia não estava no meio da música e hoje é um dos nomes mais importantes. Ela tam uma importância musical mas também como mercado. O futuro da Ana é importante porque tem uma galera olhando pra ela e falando ‘Pô dá pra ir por aqui‘ ou ‘Não dá pra ir por aqui’. Ela é uma espécie de “norte” para o que o mercado vai fazer com esta faixa etária que é gigante. Ela tem uma importância de ser um farol novo na sequência do mercado sertanejo como um todo”.
“Simaria e Gusttavo Lima estariam flertando com a música latina em espanhol. O Gusttavo inclusive trabalhou recentemente com um produtor de Anitta (Iberê Fortes). Como você vê a possibilidade dessa carreira internacional deles? Eles correm o risco de perder espaço no mercado nacional?”
“Sobre a Simaria eu vi que ela vai começar agora a rodar pela imprensa pra falar desta nova fase dela. Vi que ela falou que tinha intenção de lançar uma carreira lá fora, mas, ela gosta daqui também, gosta de sertanejo, tem as músicas dela. Então ela precisa explicar o que quer fazer agora. Precisa ver ainda se é este rumo que ela quer levar mesmo. Quanto ao Gusttavo cara, vale lembrar, uma história interessante. Nestes últimos quinze anos, a gente teve dois casos sertanejos que puderam fazer alguma tentativa de carreira internacional. Teve o Victor & Léo, que gravou um disco em espanhol, pegou músicas deles aqui e gravou em espanhol. Acho que foi por volta de 2010 isso”.
“Eles chegaram a fazer programa de televisão, foram pro México, só que eles perceberam e entenderam logo no começo desta campanha, desta tentativa, que não tem como fazer sucesso de verdade sem mudar pra lá. Isto foi algo que bateu pra eles, eles tiveram reunião e falaram isso pra eles ‘Ou vai, ou fica’ e eles escolheram ficar. Tinha muita coisa envolvida, os caras tocam a vida inteira, estavam conseguindo dinheiro pela primeira vez, sucesso pela primeira vez. Você entende o cara não largar e ir pra fora. Eu entrevistei o Léo ano passado e ele falou que se fosse hoje, se voltasse no tempo, ele teria topado. Mas ele falou que não é assim que funciona, que é muita coisa envolvida, é gravadora, empresário, equipe, tudo né? Você tem que largar tudo e ir. E na época eles achavam que não valia a pena”.
“Outro caso foi o Teló, quando estourou o ‘Vai Se Eu Te Pego’, surgiu uma série de possibilidades pra ele lá fora. Proposta financeira, planejamento de gravadora só que tinha uma questão: precisava morar lá fora. Precisavar ir para algum lugar que não fosse o Brasil ou, pelo menos, meio mês pra lá, metade pra cá. E ele também escolheu ficar. Pelo mesmo motivo, o cara estava explodido no Brasil, estava rodando o Brasil inteiro e era o sonho do cara a vida inteira aí ele pega no meio do sonho ele vai embora? Então, o Gusttavo está realmente na cabeça com essa ideia de exterior. Se você perceber, de um tempo pra cá, a agenda do Gusttavo já tá dando uma enxugada como não se via há muito tempo. É estratégico. Ele não tá mais fazendo aquelas loucuras de show todo dia, ou dois shows no mesmo dia. Tá começando a controlar isso, escolhendo os shows que vai fazer e deixando alguns dias específicos pra ele ir pros Estados Unidos”.
“Uma coisa que provavelmente vai acontecer é um fim de semana sem show do Gusttavo no Brasil. Aí ele consegue pegar quase que duas semanas cheias né? Ele viaja na segunda-feira, passa final de semana lá e volta só na outra quinta, sexta pra fazer show. Então ele consegue ficar metade do mês aqui no Brasil tocando muito e vai pra lá para ter um tempo de trabalhar a carreira internacional. Se ele vai conseguir fazer isso é uma dúvida muito grande. Custa dinheiro né? Não é só questão de ter tempo disponível, é grana né? Tem que ir o tempo todo pros Estados Unidos, tem toda uma estrutura. Para de entrar tanto dinheiro aqui, é uma outra carreira. Ele sabe disso. Sabe que ele precisa ir pra lá. Já começou a trabalhar de acordo. Até agora tá sendo a pessoa do sertanejo que está fazendo a cartilha. De ficar um tempo lá, de conviver com a turma de música de lá, então ele tá fazendo a lição-de-casa”.
“Um exemplo interessante é a Anitta no ano passado, ela ficou muito tempo lá fora. Porque ela entendeu que não dá pra ficar aqui no interior olhando pra saber como está no interior dos Estados Unidos, tem que rodar, tem que frequentar, tem que ir pras festas, pros estúdios. O artista acaba precisando dar alguns passos pra trás e circular no meio da música lá de fora. O que a Anitta conseguiu lá fora se deve muito ao fato de ela ter ido pra lá né, de ter gastado tempo no exterior. E os sertanejos já entenderam que se quer ter carreira lá, precisa ter tempo pra ficar lá”.
Com “Mal Feito” junto de Hugo & Guilherme e agora, com o remix de “Leão”, Marília Mendonça segue como uma das mais ouvidas do mercado nacional. Como você vê o fenômeno Marília Mendonça em 2023? Como encontrar alguém que era “tão querida por tantas tribos diferentes”?
“Hoje a gente faz muita pauta falando bem da Marília e tal. Mas, quando ela está viva, quando ela estava aqui, as pautas também eram 90% positivas também, falando de qualidade, de como ela conseguiu quebrar preconceitos, quebrar barreiras, atropelar um monte de coisa que todo mundo achava que ela não ia conseguir, então não é o caso do artista que é celebrado só porque passou por uma tragédia e tal. As pessoas gostavam muito dela, sem rejeição. Era extremamente carismática, as músicas atingiam um público muito amplo, ela também teve alguns caminhos que contaram muito a favor também. A Marília era do grupo de compositores né? A vida dela era composição né? Ela vivia no meio de uma galera que passa todos os dias escrevendo música pros outros para fazer sucesso. Então, além de todo talento musical, carisma, etc, etc, que todo mundo sabe, é quase como se ela tivesse tido um laboratório por anos e anos entendendo linguagem popular”.
“Imagina o tanto de sucesso que ela emplacou, o quanto que ela não compôs para aceitar isso tudo. Então vai lá e escreve, e reescreve, e tenta emplacar um hit. Emplacou hit com um monte de gente. A dupla Henrique & Juliano é a dupla que mais ganhou hits feitos pela Marília e não à toa, a dupla ajudou a Marília a se tornar cantora famosa e tal. Então tem esta questão do talento, tem esta questão da composição e tem uma coisa inexplicável que é a velocidade do sucesso da Marília. Ela caiu muito rápido no gosto das pessoas, ela brigou por sertanejo feminino, ela brigava contra qualquer tipo de pauta que parecia ser preconceituosa, pelo fato de ela ser mulher”.
“Então assim, é um pacote de coisas muito positivas que ela conseguiu, em pouquíssimo tempo, porque a gente fala, pô ela estorou mesmo em 2016 e faleceu em 2021 que foi pandemia. Então se você for fazer as contas, ela teve três anos pra rodar o Brasil, é muito pouco. Então ela é um fenômeno e acho que é isso que talvez explique esse sucesso que ela faz com os lançamentos póstumos. É totalmente inédito no sertanejo isto. Ela vai lançar música nova quinta ou sexta, o EP novo, e muito provavelmente vai bater o Top 10 e quem sabe até bater o Top 1 porque é este lance da baixíssima rejeição dela, ela entrava em todos os meios. É uma perda muito grande pro sertanejo, é um marco e por isso que é tão traumático e por isso que continua fazendo tanto sucesso”.