Recentemente, o mundo se rendeu aos encantos da música Running Up That Hill (A Deal with God), de Kate Bush. A obra é de 1985, mas vem fazendo sucesso estrondoso, ocupando as paradas globais, depois de ganhar destaque na quarta temporada de Stranger Things, série da Netflix. O sucesso foi tanto que assustou até a própria dona da canção.
Kate é a grande personificação do que a internet chama de Low Profile. Não está nas redes sociais, leva uma vida tranquila e pacata, sequer possui smartphone. “Tenho um telefone muito antigo. Mas eu gosto dele porque passo muito tempo no meu laptop. E quando saio durante o dia, não tenho que lidar com e-mails e todo mundo sabe disso. Então, apenas recebo mensagens de texto e ligações no meu telefone, e isso significa que tenho um pouco de paz”, disse a britânica, em entrevista para Emma Barnett, no programa Woman’s Hour.
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Bush está tão distante das tendências das redes sociais que classificou a ideia de vídeos curtos no Tik Tok com trechos de sua música – algo rotineiro nos dias atuais – como ‘ridícula’. Enquanto o mundo suga cada nutriente da trend do momento, Kate prefere se dedicar ao seu hobby de jardinagem.
Mas isso não quer dizer que ela não esteja gostando da ‘segunda onda’ do seu hit, além de afirmar que gosta de Stranger Things. O uso da canção na série atraiu milhões de novos fãs, pessoas que sequer sabiam da existência da cantora, que sempre foi muito cultuada no eixo anglo-saxão. Além disso, Kate ficou mais milionária do que já era com o novo ‘boom’ de sua música.
“É um pouco chocante, não é? Quero dizer, o mundo inteiro enlouqueceu. O que é realmente maravilhoso, eu penso, é que esta é toda uma nova audiência que, em muitos casos, nunca havia escutado sobre mim e eu amo isso. A ideia dessas pessoas bem jovens escutando a música pela primeira vez e a descobrindo é… bem, eu acho que é bem especial”.
Na série, a personagem Max, interpretada pela atriz Sadie Sink, é capturada pelo monstro Vecna, um monstro que domina a mente de suas vítimas. A jovem é salva e trazida de volta ao mundo real ao ouvir Running Up That Hill, sua música preferida. A cena é eletrizante e caiu no gosto dos fãs da série. Confira:
Mas de onde veio Running Up That Hill?
Ao contrário do que muita gente possa ter pensado, Running Up That Hill não é um single lançado ao léu e que obteve grande sucesso. Como tudo que permeia o trabalho de Kate, tem uma base, um motivo, um porquê. Ele faz parte de um grande – se não o maior – disco da cantora, chamado Hounds Of Love.
É possível traçar um paralelo sobre o impacto deste álbum, o quinto da história de Kate, com sua personalidade e estilo de vida avesso aos holofotes. A cantora decidiu, de maneira bem ousada, largar as turnês quando tinha 20 anos. Antes de mergulhar na produção do álbum, ela vivia dias estressantes. Bush se sentia mentalmente esgotada, precisando de referências e combustíveis para buscar novos caminhos musicais.
Em 1983, após o desgastante processo de produção e divulgação do seu quarto álbum, The Dreaming, considerado um fracasso pela gravadora EMI, Kate resolveu se abster da sua ‘pessoa jurídica’, e decidiu tirar férias com o namorado, amigos e familiares. Buscando novas referências e aliviar a pressão de criar por obrigação, a cantora construiu um estúdio nos fundos da casa de sua família e começou a ‘aprontar’ das suas. Sem pressa e sem cobranças.
Em janeiro de 84, ela começou a gravar as demos do que seriam as faixas de Hounds Of Love, e, em um processo bastante orgânico, não as regravou em ‘versões finais’ e apenas melhorou alguns aspectos. 5 meses depois, ela começou a mixar o disco – um trabalho que durou cerca de 1 ano, até que o álbum fosse, finalmente, lançado, em 1985.
Além do grande Hit Running Up That Hill (A Deal with God), podemos destacar faixas como The Big Sky, And Dream of Sheep, Under Ice, Hello Earth, entre outras. É importante frisar que Hounds Of Love é um álbum duplo. A ‘parte 1’ do disco é composta pelas primeiras 5 faixas. Este pedaço da obra é o que a própria Kate chama de Hounds Of Love. As outras 7 faixas são o que Kate chamou de The Ninth Wave.
O grande diferencial do grande disco de Kate Bush
Longe de mim colocar rótulos, mas, se fosse para definir o tipo de música que Kate Bush faz, ficaria com a definição de ‘Art Pop’, ou ‘Pop Experimental’. Há quem diga pop rock, há quem diga que ela é uma das pioneiras do Indie, enfim, pouco importa. Grande parte da loucura do som da britânica tem a ver com o fato de que ela sempre gostou de meter a mão na massa nos processo de criação e produção. Foi assim que ela conheceu o sintetizador Fairlight CMI, que é o grande charme deste disco.
O Fairlight CMI é um sintetizador (abreviação de Computer Musical Instrument) é um sintetizador digital, sampler e estação de trabalho de áudio digital introduzido em 1979, desenvolvido com base na licença comercial do instrumento musical de microprocessador Qasar M8 dual-MC6800 originalmente desenvolvido por Tony Furse da Creative Strategies em Sydney, Austrália. Foi uma das primeiras estações de trabalho de música com um sintetizador de amostragem digital embutido. Ele ganhou destaque no início de 1980, mesma época em que Kate desfrutava do auge da carreira e ansiava por novidades (informações do site Kate Busch enciclopédia).
Quem apresentou Bush ao CMI foi Peter Gabriel, músico britânico de sucesso e conhecido por seu trabalho à frente da banda Genesis e o seu ativismo pelos direitos humanos. Nick Launay, produtor musical, contou para a BBC um pouco da sua experiência em estúdio com Kate. “Ir ao estúdio todos os dias com ela era como entrar em uma terra da fantasia”, disse o engenheiro, hoje com 62 anos de idade.
No Youtube, por exemplo, há vários vídeos de pessoas demonstrando como o CMI funciona na prática, replicando alguns timbres usados por Kate e até fazendo covers dos synths usados por ela em Running Up That Hill, grande hit do álbum. O próprio Peter Gabriel tem um vídeo demonstrando as funcionalidades do sintetizador.
Os anos 80, inclusive, foram permeados por vários artistas que experimentaram sintetizadores em suas músicas. A estética Synth se tornou uma marca da época, presente em discos do pop e de outros gêneros, como em Hunting High and Low, álbum de estreia da banda A-ha, que traz o hit Take On Me, Like a Virgin, de Madonna, etc.