Fora preconceito!

Chico Fonseca lança ‘Amores, Marias, Marés’, um mergulho nas marés da paixão e na luta contra preconceitos

Obra de estreia de Chico Fonseca traz a força de um amor proibido em contraste com os costumes conservadores na São Luís dos anos 1960 e retrata importância da ancestralidade negra na cultura do Maranhão

Publicado em 28/05/2023 00:52
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“Amores, Marias, Marés”, o aguardado romance de estreia do escritor Chico Fonseca, é uma história envolvente de amores proibidos e descobertas pessoais. Lançado pelo selo Jangada, do Grupo Editorial Pensamento, o livro transporta os leitores para a cidade de São Luís do Maranhão, em 1963, onde as marés imponentes servem como metáfora para os sentimentos e desejos avassaladores vivenciados por duas mulheres em uma relação proibida.

A trama apresenta Maria Ellena, uma jovem professora de História de 26 anos, casada com Arthur, um aristocrata dominado pela mãe. Apesar de seu casamento recente, Ellena anseia retomar sua paixão pelo magistério e obtém permissão para dar aulas em casa, sem remuneração, para Mariana, uma jovem estudante que se prepara para o vestibular de História. Mariana, interessada em resgatar a história dos negros escravizados que contribuíram para a construção de São Luís, convence Ellena a acompanhá-la em suas pesquisas, desencadeando uma jornada de descobertas e despertar de sentimentos.

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Com uma narrativa empática, o livro aborda temáticas atuais, como questões raciais e diversidade sexual, e mergulha os leitores em uma história repleta de emoção, poesia e reviravoltas. Chico Fonseca habilmente costura a realidade com a ficção, trazendo à tona a São Luís histórica e apresentando personagens cativantes que desafiam os preconceitos da época.

“Amores, Marias, Marés” promete encantar os leitores com sua escrita envolvente, detalhes ricos sobre a cidade maranhense e uma trama repleta de surpresas. O livro é uma celebração do amor e da coragem de seguir o próprio caminho, mesmo diante das adversidades.

Como você descreve a cidade de São Luís como pano de fundo da história de Amores, Marias, Marés? Qual é a importância das variações de marés para a trama do livro?

São Luís é uma cidade histórica, única capital brasileira que não foi fundada por portugueses, mas por franceses, em 1612, e está situada na Ilha de Upaon Açu. Abraçada por dois rios, a cidade era quase que uma ilha dentro da outra, ilhada em si mesma e nos seus costumes. A exploração do trabalho escravo, que fez a riqueza do Maranhão, também provocou a sua estagnação econômica após a Abolição, deixando como legado a preservação de tantos sobrados e casarões, que hoje compõem um conjunto arquitetônico ímpar, coeso, com cerca de quatro mil prédios tombados. São Luís tornou-se Patrimônio Cultural Mundial, pela Unesco, em 1997.

Marés: O litoral maranhense tem uma das maiores variações de marés do mundo. Todos os dias, duas vezes por dia, a maré sobe e desce de seis a oito metros. É como se houvesse dois tsunamis por dia, só que em câmera lenta. Esse movimento das marés inspirou a metáfora usada no livro:

 “Assim como a maré enchente, que invade a calha do rio e se impõe sobre a sua correnteza, invertendo o sentido do fluxo das águas, às vezes a natureza inverte o sentido do afeto e do desejo, se sobrepondo à correnteza dos costumes”.

Como a relação proibida entre as duas mulheres se desenvolve no contexto de extremos preconceitos da época?

Como uma relação afetiva entre duas mulheres não fazia parte do imaginário coletivo da cidade, as suspeitas iniciais eram de que a professora teria um amante, usando a companhia da aluna para dar cobertura às suas saídas semanais. Até que uma fofoqueira da cidade começa a levantar suspeita de uma relação entre as duas e conta para a sogra de Ellena.

Quais são as temáticas atuais abordadas no livro, como questões raciais e diversidade sexual?

Diversidade sexual – São retratados os conflitos e reflexões das personagens. Primeiro negando os seus sentimento e desejos, depois reconhecendo que a sua natureza é diferente, mas que isso não as faz nem melhores nem piores que as outras pessoas. Elas simplesmente são assim. Até que reconhecem que, juntas, podem enfrentar o preconceito e tentar viver a sua relação

Ancestralidade – Mariana tem muita vontade de pesquisar sobre a vida do seu trisavô. Sabia apenas que ele havia sido escravizado no interior de estado e tinha conseguido fugir para São Luís, onde se estabeleceu como construtor de barcos. Com a ajuda de Ellena, elas descobrem alguns envelopes pardos, empoeirados, esquecidos numa velha prateleira do Convento de N. S. do Carmo. A partir daí, a pesquisa toma um novo rumo, e Mariana pode conhecer melhor a sua ancestralidade. E se orgulhar dela.

Quais são as características principais da protagonista, Maria Ellena, e como sua vida muda ao conhecer Mariana?

Maria Ellena, professora de História casada com um aristocrata, havia deixado de dar aulas em uma escola tradicional da cidade para se dedicar à sua nova condição de esposa. Uma mulher culta e estudiosa, querida pelas suas alunas e respeitada pela direção da escola, Ellena tem dificuldade de se adaptar à monotonia da vida de dona de casa. As aulas particulares e a companhia de Mariana dão um novo sentido à sua vida.

Chico Fonseca (Foto: Divulgação)

Como a pesquisa sobre a participação dos negros na construção da cidade de São Luís impacta a história das personagens?

As informações sobre as condições desumanas a que os escravizados eram submetidos na época, além de tomar conhecimento de que todos aqueles casarões e sobrados da cidade haviam sido construídos por mãos negras, deu a Mariana uma visão muito mais ampla sobre o valor da sua ancestralidade.

Em que momento a amizade entre Maria Ellena e Mariana se transforma em uma inesperada paixão?

“Entre pesquisas, passeios de bonde e conversas descontraídas, saboreando sorvetes de frutas da terra, Ellena e Mariana foram descobrindo afinidades, tornando-se amigas, confidentes, até se descobrirem enredadas nessa relação inesperada, que mudaria radicalmente seus destinos”.

Como a obra costura retalhos de histórias reais com outras que não chegaram a existir?

A história surgiu de uma conversa real, em tom de segredo, entre meus pais e um casal de tios. Eles falavam de um casal que tinha viajado para passar uma temporada no Rio de Janeiro, na tentativa de abafar a repercussão de um adultério, o que era até comum, mas por parte dos maridos. Foi quando percebi que tinha sido a esposa quem tinha traído o marido. Apesar de eles falarem em tom de segredo, e com a música ao fundo, consegui ouvir que o adultério havia sido cometido, não com outro homem, mas com uma moça. Pelo menos foi isso que eu entendi.

Usei, na narrativa, pessoas da vida real que interagem com os personagens ficcionais, dando ares de realismo à história.

Quais são os questionamentos e dramas enfrentados pelas personagens principais e como elas lidam com o turbilhão de sentimentos em um tempo de recato e preconceito?

A princípio acham que é apenas uma grande amizade que está surgindo entre elas. Recusam-se a admitir que há um sentimento muito mais profundo, e acompanhado de uma forte atração física. Na época, um relacionamento homoafetivo era considerado uma aberração, um pecado, um desvio de comportamento. Tentam resistir ao desejo de se aproximarem fisicamente, têm muito medo das consequências, além de muita vergonha de assumirem seus sentimentos proibidos. Até que, com uma convivência tão próxima, a natureza se mostra mais forte, e elas acabam cedendo ao desejo. Arrependem-se, prometem que não vai acontecer de novo, acham que tinha sido apenas um momento de fraqueza. Mas não dava mais para negar. Até que admitem, com muito sentimento de culpa, que sua natureza é diferente, e não há outro caminho, a não ser aceitarem-se como são.

Qual é a reviravolta no final do livro que promete surpreender os leitores?

Bem, isso eu não conto nem sob tortura. Rsrs. Não quero tirar o prazer do(a) leitor(a) de descobrir. Garanto apenas que o final vai surpreender. E emocionar.

Como a escrita de Chico Fonseca conquistará os leitores e os levará a acompanhar as personagens em sua jornada?

A história foi escrita com muita empatia, respeito e delicadeza. Fui arrebatado pela emoção das personagens, pela sua capacidade de superação e coragem de assumir a sua natureza e lutar contra o preconceito. É como se elas tivessem me tomado o teclado da mão e escrito as suas próprias histórias, me deixando como espectador.

De que forma as convenções sociais são desafiadas pelas personagens para que possam viver sua relação?

Superando os seus próprios conflitos, apoiadas no amor e na cumplicidade que as une, e aceitando que a sua própria natureza está acima das convenções e preconceitos então dominantes na mentalidade provinciana da época.

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