Felipe Barretto, aos 14 anos, descobriu que suas angústias e problemas na escola tinham um nome: superdotação. Agora, sua mãe, Claudia Tozzini Barretto, compartilha essa jornada no livro “Ele é Superdotado, e daí?”. A obra aborda as dificuldades enfrentadas pelo jovem, como bullying e incompreensão, e oferece suporte a pais, educadores e profissionais da saúde que convivem com pessoas superdotadas.
Além da experiência pessoal, o livro apresenta aspectos técnicos e conceituais sobre a superdotação, destacando a importância de repensar o ambiente escolar e promover mudanças sociais e educacionais. Com prefácio de Maria Helena Oliveira e posfácio de Maria Lúcia Sabatella, a obra visa ampliar a discussão e despertar um novo olhar sobre a aprendizagem diferenciada.
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Claudia, tradutora e escritora, compartilha também em seu blog artigos sobre superdotação, empoderamento feminino e resenhas de livros diversos. Seu trabalho busca não apenas informar, mas também inspirar e promover a reflexão sobre temas relevantes. “Ele é Superdotado, e daí?” é uma obra essencial para quem busca compreender e apoiar as pessoas superdotadas em sua jornada de crescimento e formação.
Como surgiu a ideia de escrever o livro “Ele é Superdotado, e daí?” e qual foi a sua motivação para compartilhar a experiência de seu filho Felipe?
Inicialmente, não tive a mínima intenção de escrever um livro. Comecei anotando tudo o que acontecia com o meu filho na escola para não esquecer os fatos, que eram frequentes e intensos. Quando tinha uma quantidade razoável de informações, minha filha comentou que eu poderia escrever um livro, pois havia muitos registros. Assim despertou a vontade de contar nossa história.
A motivação era expor as dificuldades enfrentadas pelo Felipe durante toda a vida escolar e, ao mesmo tempo, ressaltar a grande fragilidade do nosso sistema educacional de ensino, o despreparo considerável de muitos educadores e, ainda, a resistência que esses profissionais apresentam ao lidar com crianças e jovens portadores de superdotação/altas habilidades.
Quais foram os principais desafios enfrentados por Felipe na escola e como vocês lidaram com essas dificuldades?
O principal desafio foi a falta de compreensão e conhecimento dos educadores. Felipe foi identificado como portador de altas habilidades quando tinha 14 anos – antes disso, foi rotulado pelas escolas por onde passou como agitado e até mesmo hiperativo, condição descartada pelos médicos.
Como os professores não sabiam lidar com a curiosidade, a vivacidade e a agitação dele, diziam que era uma criança problemática. Em nenhum momento a hipótese de ser apenas uma criança superdotada vivenciando e explorando a própria criatividade foi levantada. Isso aconteceu nas quatro escolas que frequentou: tivemos que fazer trocas de escola na esperança de encontrarmos um local que pudesse acolher meu filho e onde ele pudesse desenvolver plenamente suas capacidades.
É importante ressaltar que uma pessoa superdotada se situa acima da média em relação a alguma habilidade relevante que desenvolva, mas não significa que, necessariamente, ela tenha um desempenho escolar exemplar em todas as matérias ou mesmo que seja brilhante em tudo o que fizer. Na grande maioria das vezes, tentamos dialogar com as escolas, pedindo compreensão e apoio, mas nossa batalha foi grande e todos os exemplos serviram para que eu pudesse escrever o livro.
Além da narrativa pessoal, o livro também aborda aspectos técnicos da superdotação. Como foi a pesquisa e qual foi a importância de trazer essas informações para o público?
Eu não quis apenas escrever uma história autobiográfica, mas também contextualizar o que estava trazendo para o público. Nossa história é pano de fundo para a narrativa como um todo, mas foi extremamente importante oferecer aos leitores todo o conhecimento prático do que está exposto. Foi uma longa pesquisa.
Logo que a temática entrou em nossas vidas, comecei a estudar sobre superdotação/altas habilidades e só encontrei livros redigidos por especialistas, psicólogos e estudiosos da área. Comprei todos os livros disponíveis na época para entender o que estávamos vivendo, mas não havia nada na literatura que contasse as agruras de mães e famílias que passavam por dificuldades pelas quais passei. A partir dessa falta no mercado, resolvi escrever um livro contando nossa história e explorando os aspectos envolvidos na temática, daí a importância de trazer nossa experiência para o público.
Com o livro, convido os leitores a uma reflexão acerca do nosso atual sistema de ensino, que desperdiça talentos ao não considerar forma diferenciada de aprendizagem de crianças superdotadas.
Você menciona no livro a diferença entre superdotação, genialidade e precocidade. Pode explicar esses conceitos e como eles se relacionam?
Essas terminologias acabam popularmente se mesclando. Mas, na verdade, são conceitos distintos. A superdotação é uma condição caracterizada por uma grande facilidade na aprendizagem. São pessoas com potencial elevado e grande envolvimento com áreas da ação humana: intelectual, comportamental, psicomotora, artística e criativa. Os portadores de altas habilidades possuem alto nível de inteligência e têm desenvolvimento acelerado e avançado das funções do cérebro.
Muita gente acredita que a superdotação tem correlação com a genialidade, mas não se trata disso. Gênios são aquelas pessoas que deixam uma contribuição inegável para a humanidade, que perduram por décadas ou gerações. Gênios têm a capacidade de quebrar paradigmas. Alguns exemplos clássicos de gênios são: Einstein, Leonardo da Vinci, Mozart e, mais recentemente, Steve Jobs e Bill Gates.
Já a precocidade é atribuída a crianças, uma vez que são habilidades apresentadas prematuramente, o que não significa que será garantia de sucesso no futuro: a habilidade apresentada não se sustenta posteriormente. Um exemplo de precocidade foi a atriz americana Shirley Temple, considerada a maior estrela infantil na década de 1930. Assim, a superdotação, genialidade e precocidade são variações de um mesmo fenômeno.
Qual é a importância da identificação da superdotação e da ampliação da discussão sobre o tema no Brasil? Quais mudanças sociais e educacionais você espera promover com o livro?
Creio que a identificação da superdotação é de suma importância para crianças, jovens e até mesmo adultos. As pessoas se reconhecem em suas especificidades e podem melhorar consideravelmente suas vidas: passam a entender melhor a forma como agem e reagem a diversos estímulos. E no caso das crianças, a família desempenha um papel fundamental nesse processo, uma vez que, compreendendo sua condição, poderão ajudá-las em seu desenvolvimento geral.
Quando lancei o livro, minha intenção foi ampliar a divulgação da temática, contribuir para o despertar de um novo olhar com relação à forma diferenciada de aprendizagem das crianças superdotadas e combater as adversidades da sociedade para aqueles que apresentam um talento diferenciado e um potencial superior. Assim, por meio da disseminação do conhecimento, poderemos promover as mudanças necessárias para a melhoria da educação em nosso país.
Como você descreveria o despreparo do ambiente escolar no Brasil para lidar com alunos superdotados? Quais são as principais falhas e o que pode ser feito para melhorar essa situação?
Infelizmente a superdotação não é vista e nem reconhecida no ambiente escolar. Acredito que haja falta de preparo dos profissionais. Já vi alguns pedagogos e mesmo psicólogos mencionarem que nunca estudaram sobre o assunto durante a faculdade. É um assunto invisível mesmo.
Como esperar que os profissionais saibam lidar com alunos com essa condição se nunca foram preparados para isso? Enquanto isso, há muito sofrimento, não só dos alunos, mas também das famílias. Por desconhecerem o assunto, os profissionais nas escolas acabam rotulando as crianças com patologias inexistentes. Por exemplo, em uma das escolas que meu filho estudou, a coordenação sugeriu que ele fosse medicado com psicoestimulantes para melhor acompanhar as aulas, ou seja, para que pudesse ficar mais quieto no ambiente escolar.
Seria mais adequado, em primeiro lugar, que as escolas buscassem se aprimorar e que os profissionais fossem devidamente capacitados para lidar com essas crianças e jovens. Esse já seria um grande passo para melhorar a situação e ajudar tantas pessoas invisibilizadas em sua condição.
Como o livro tem sido recebido pelo público, especialmente por pais, educadores e profissionais da saúde? Quais são os principais feedbacks que você tem recebido até agora?
O livro foi muito bem recebido, confesso que superou minhas expectativas. Constantemente recebo mensagens de leitores, na maioria mães e pais, contando o quanto se identificaram com a história. Percebo o quanto estão emocionados por encontrar pessoas que passaram pelos mesmos problemas que eles.
É muito gostoso poder sentir o carinho das pessoas que leram o livro e vejo que muitas delas indicam para outras mães que passam pelos mesmos problemas. Com isso, já conheci diversos leitores, de várias regiões do Brasil, que me procuram para dar depoimentos e contar o quanto a obra foi importante para eles se sentirem acolhidos, reconhecidos e representados em suas angústias. É muito bonito ver que a empatia agrupa as pessoas. Fico muito feliz com esse movimento.
Além do livro, você também possui um blog onde escreve sobre superdotação e outros temas. Como surgiu a ideia do blog e qual é o objetivo principal ao compartilhar esses conteúdos?
O blog surgiu alguns anos depois do livro, pois sentia a necessidade de escrever e dividir com os leitores tudo aquilo que vivi e presenciei. A criação do blog foi uma forma de transmitir e perpetuar minhas experiências: com ele, percebo que instigo as pessoas a buscar a validação de suas próprias histórias. Acredito que esse seja um caminho possível e ideal de realização.
Quais são seus planos futuros como escritora e como você pretende continuar contribuindo para a discussão sobre superdotação e outros assuntos relevantes?
Acredito que meu livro ajudou muita gente e foi uma contribuição incrível para a temática. Inclusive, já recebi diversos feedbacks reforçando o quanto o livro auxiliou na compreensão do que são as altas habilidades. Ultimamente, a superdotação tem sido mais divulgada no país. O crescimento da temática é nítido.
Ainda contribuo quando participo de lives, workshops e encontros para falar a respeito da minha experiência. Já fui convidada para gravar aulas e para participar de outros livros como coautora, sempre dentro da mesma temática. É uma forma de intensificar a relevância do assunto e, enquanto puder, continuarei divulgando e reforçando a importância da superdotação.
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