Filosofia Musical

Liza K teoriza sobre a vida após reflexão de sonho em “Entra”

A partir da inspiração inicial, que revelou a batida da canção, Liza foi de encontro aos versos que dão luz à faixa

Publicado em 20/04/2023
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Em meio ao caos cotidiano, é difícil se colocar a pensar. Refletir sobre a vida e, com isso, tomar decisões, é algo cada vez mais incomum. Para Liza K, a reflexão veio de um sonho, onde, em 2017, teve encontro com uma melodia. A partir daí surgiu “Entra”. A canção está disponível em todas as plataformas digitais.

Embora não tenha surgido de forma completa, “Entra” ganhou um processo de composição que se deu ao longo do tempo. A partir da inspiração inicial, que revelou a batida da canção, Liza foi de encontro aos versos que dão luz à faixa. 

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“Essa canção nasceu de um jeito muito diferente das outras e virou meu xodó. Tudo começou com um sonho: era noite, numa praça vazia de uma cidade do interior. Havia um coreto e dentro dele um homem vestido de branco com um violão em punho. Sentado numa cadeira de madeira talhada, ele se preparava para tocar. Dentro do sonho, assistia sozinha ao “concerto”, ouvindo a melodia cíclica com notas muito graves. Acordei imediatamente com aquele susto bom e com o gravador de celular, registrei esta ideia inicial que depois se tornou a primeira parte da melodia. No dia seguinte, de manhã, com ela na cabeça, escrevi os primeiros versos da letra. Para isso me apropriei da imagem de um ambiente específico: uma casa na montanha onde eu habitava e aguardava a visita especial de um sábio ancião que abrigaria numa noite de chuva. Ele traria mensagens de aprendizado sobre sua jornada e era um momento auspicioso, de grande valor. Precisava acolhê-lo de forma digna.

Esta cena e este propósito me ajudaram a construir a letra. Curioso é que o sonho não tem relação com esta imagem, mas existe um ponto em comum que descobri um pouco depois: o músico do sonho, na vida real é um grande amigo meu, que em sua casa, também localizada na montanha, é um excelente anfitrião. Faz-se aí o elo com a cena da visita do peregrino viajante, pois a casa onde imaginei que ele ficaria hospedado, era a casa deste amigo. Tenho um carinho especial por essa música, porque não foi um processo imediato de composição. Cada passo exigia toda a atenção e cuidado. Não queria fazer por fazer, com pressa para mostrar pra alguém. Não podia me enganar ou pegar um atalho errado. Sabia que tinha algo valioso que bateu no meu ouvido a partir daquele sonho e não dava pra fazer qualquer coisa. Fiquei alguns anos buscando a segunda parte da melodia e não encontrava nada satisfatório, que pudesse ser fiel à experiência que tive.

Como adoro trabalhar durante a noite, com o silêncio pulsando ao lado, foram muitas madrugadas em torno dessa busca. Somente na pandemia, anos depois do sonho, encontrei o desfecho e pude concluir a canção. Foi uma jornada bastante desafiadora que me ensinou muito. Vale contar um detalhe sobre o título: inicialmente a música iria se chamar “Candeia”. Adoro essa palavra, acho sonora e ela me ajudou a mapear uma estrutura de frase melódica específica, além de trazer o contexto da luz, da chama, ou seja, essa palavra me deu um norte importante na construção da música e por um tempo a batizei assim. Depois, com a canção pronta, no estúdio conversando com o Marcelo Cebukin (produtor), ele pontuou um fator importante: a letra convida alguém, chama pra entrar e o título “Entra” enfatizaria mais essa questão. Por isso, tivemos a ideia de fazer uma enquete sobre o título, pedindo a participação de pessoas próximas e envolvidas no projeto. Além de “Candeia”, tínhamos algumas sugestões em mãos, mas “Entra” entrou de primeira. Foi unânime!”, disserta Liza sobre todo processo de composição da música.

As canções da Liza K trazem muito das vivências cotidianas, sentimentos profundos e reflexões sobre a vida. Sobre isso, a cantora conta:

“Tudo isso vem de uma necessidade de materializar a palavra em som. Um pensamento pode ter origem em alguma alegria ou em alguma dor e considero essencial trazer esses desdobramentos para a música, pois é como se algo se ressignificasse. Assim como a luz na sombra, o que anteriormente estava incômodo no íntimo, passa a ser soberano. Muitas das minhas canções falam de amor e algumas fiz no auge do flerte, mas outras nasceram do caos da separação e a sensação de finalizar, é a mesma de fechar um ciclo. Leveza e felicidade juntas em aliança. Nunca tive filhos, mas posso imaginar a alegria do parto.

Nunca gerei ninguém, mas fiz algumas canções nascerem. A arte tem a capacidade de remodelar os sentidos, esculpindo expressões, remoldando sensações, podendo-as desmontar simultaneamente, se necessário. É um movimento natural, intuitivo, sem muitos cálculos. Sinto quando as sílabas se encaixam na melodia de forma redonda, ao mesmo tempo, percebo quando elas escorregam e não cabem ali. É como saber a hora certa de descartar. Compor é um quebra-cabeças com várias possibilidades de ajustes, mas existem as conexões perfeitas, que são como ímãs. Assim como as tintas na mão de um pintor, uma nota pode chamar uma palavra através de uma vogal, avisando se combina ou se destoa. Numa letra, o que importa é ter a certeza do que se quer dizer e se em primeiro lugar, faz sentido de dentro pra fora, é certo que irá ressoar em algum lugar, no outro. Ou seja, a temática comanda o significado e a melodia guia a palavra.”

Com o objetivo de criar uma atmosfera única e passar uma mensagem mais concreta, “Entra” vem acompanhada de videoclipe. Gravado em Lumiar, na Região Serrana do Rio de Janeiro, o vídeo explora o simples, promovendo uma conexão com a natureza. 

“Tudo foi planejado com muita antecedência, em 2021. Contei com um artista maravilhoso de Porto Alegre, Jonathas Martins, designer gráfico, ilustrador e fotógrafo que captou e editou as imagens. Foi a primeira experiência dele como videomaker e o resultado surpreende a todos que recebem essa informação! Eu tinha certeza que tudo exatamente como eu tinha imaginado, porque o Jonathas tem um olhar muito sensível, conceitual e poético, além de um bom gosto peculiar. Fora isso, pra facilitar ainda mais o processo, falamos a mesma “língua” artisticamente e somos grandes amigos.

Nos organizamos inicialmente online, fazendo o roteiro juntos e depois presencialmente no RJ, ajustamos o roteiro para em seguida pegarmos a estrada para Lumiar, onde ficamos imersos por quatro dias na casa onde filmamos. Lá fomos nós com Anna, minha companheira e Layla, minha enteada. Elas nos auxiliaram na produção, cenário, acessórios e maquiagem. O figurino ficou por conta de Gisela Saldanha, minha irmã, que no Rio de Janeiro deu todas as coordenadas, antecipadamente. Os recursos eram simples e era essa nossa meta principal, fazendo jus à mensagem da letra de “Entra” e também ao título do novo álbum “Simplicidade”. A casa, rústica, cercada de um vale com mata fechada, traduziu perfeitamente a atmosfera da imagem que me serviu de base quando escrevi a letra: o abrigo do viajante mensageiro. Tudo se encaixou.

Gravamos durante a noite, aproveitando a luz adequada com velas, no clima da madrugada presente no contexto da canção. Foi mágico e tudo fluiu naturalmente. Inicialmente, pensei na figura do visitante no final do clipe, abrindo a porta e chegando na casa, mas para isso precisaríamos de uma terceira pessoa, alguém mais velho no papel do senhor andarilho e isso implicaria em fatores como autorização de imagem e o mais complicado: não tínhamos essa pessoa por perto e o tempo pedia ação! Tentamos soluções com a minha própria imagem e a do Jonathas, vestidos e disfarçados de “senhor”, mas não funcionou e pensando bem, essa versão poderia ter ficado literal demais. Preferimos a versão final, com a porta se abrindo, deixando uma surpresa no ar e fazendo com que o espectador se pergunte: “quem chegou?”.

Outra surpresa que surgiu numa das noites que gravamos, foi um boneco de artesanato que fez parte de algumas cenas do clipe, representando o “ser” imaginário que chegaria de uma longa viagem. Foi interessante porque quando optamos por esta casa, contávamos com alguns móveis e objetos que sabíamos que encontraríamos por lá, mas não tínhamos a total precisão de tudo e imprevistos poderiam aparecer. Com sorte, tudo deu super certo e tivemos a oportunidade de recriar com os elementos possíveis em nossas mãos, tudo o que fosse alvo de significado capaz de complementar nossa linha de trajeto com o clipe.”

Sobre a relação da faixa com seus recentes lançamentos, Liza conta: 

“’Entra’ é a quarta faixa do novo álbum ‘Simplicidade’. Curioso é que o clipe dela ficou pronto antes do clipe ‘Reparar’, o primeiro lançado. Isso aconteceu porque a ordem dos lançamentos foi alterada. Lá atrás, no planejamento desenhado com a equipe de produção, ‘Entra’ seria a primeira faixa a ser lançada, mas como a previsão do início dos lançamentos seria no final de setembro de 2022, perto das eleições, achei que a temática de “Reparar” se alinhava mais com o contexto do país naquele momento. Tivemos tempo de produzir um clipe para “Reparar”, já que o clipe ‘Entra’ já estava finalizado. Assim, mais uma vez agendamos a vinda do Jonathas para o RJ e dessa vez criamos o roteiro lado a lado, no RJ. Com imagens urbanas, externas, no centro da cidade, Copacabana, na praia e na vila onde moro, construímos o clipe. Com uma dinâmica diferente, mas com a mesma intensidade de ‘Entra’, recolhemos todo o material entre fotos, teasers e takes.

Estava pronta nossa segunda produção audiovisual, que abriu a sequência de lançamentos do projeto do álbum “Simplicidade”. “Entra” que seria o primeiro lançamento, acabou sendo a última das quatro faixas lançadas. Fiquei muito satisfeita com essa nova ordem, porque ‘Entra’ chegou exatamente no momento em que o ano estava realmente começando, em março, depois do carnaval, ou seja, entrando para dar as boas-vindas para o novo ano. Bem ou mal, depois de tudo que o mundo passou, nesses últimos três anos, com tantas perdas e uma avalanche de acontecimentos em diversos setores, é raro não sentir no peito, o ar de recomeço, de uma nova etapa. Pra mim, partindo desta reflexão, a mensagem de ‘Entra’, que fala de acolhimento, representou muito essa entrada e chegada tão esperada de 2023.”

Cantora, compositora e professora, Liza K é formada em Licenciatura Plena com Habilitação em Música pela UNIRIO. Ao longo de sua carreira acadêmica, desenvolveu pesquisa sobre música folclórica brasileira, tema de sua monografia. Como professora de Educação Musical, violão e musicalização, atuou em diversas Escolas Municipais, Estaduais e particulares do RJ, além de desenvolver um projeto musical para a Terceira Idade em clínicas de convivência e associações. Atualmente, em paralelo à carreira solo, Liza é baixista do Bloco Mulheres de Chico, primeiro bloco de carnaval formado integralmente por mulheres.

Como intérprete (voz e violão) atuou em espetáculos com textos de Arthur Azevedo e Ariano Suassuna “A História do Amor de Romeu e Julieta” (adaptação de Ariano Suassuna e direção de Elza de Andrade), que passou por RJ, SP e MG e obteve o Prêmio Coca-Cola de Melhor Direção e Melhor Espetáculo Jovem.

Participou como vocalista e instrumentista dos grupos Cordão do Boitatá; Bloco Céu na Terra e NEAE – Núcleo Experimental de Arte e Educação com direção de Sidney Mattos.

“Conciliar tudo isso é tremendamente desafiador, mas ao mesmo tempo é um estudo interno sobre como aproveitar o tempo, percebendo as interseções nestas tarefas diversas. Ou seja, pontos em comum, como voz, expressão, oratória, estudo e pesquisa. O que eu posso extrair destes ambientes (aula, clínica, estúdio e palco) para adequar nas relações (alunos, público e produção) e aplicar no meu trabalho autoral. Alquimia pura! Quando entrei na UniRio, em 92, meu desejo era tocar, compor, cantar, aprender mais sobre harmonia, arranjos etc. Na minha cabeça não existia a ideia de estudar matérias pedagógicas, ser professora em escola pública e desbravar estes caminhos. Mas não tinha como fugir disso, se um curso de Licenciatura oferece esse universo.

Por ali segui, com o intuito de tentar o Bacharelado mais adiante, o que acabou ficando pra trás porque eu estava ligada em música popular e na época a UniRio não tinha Bacharelado em MPB, somente em música clássica. Depois de me formar em Licenciatura, acabei fazendo alguns anos de Bacharelado em MPB, um novo curso que a faculdade ofereceu. Terminando a UniRio, fiz o concurso para o Município e Estado e comecei a dar aulas em escolas públicas. Como já dava aulas particulares e trabalhava também em escolas particulares e creches, me envolvi bastante. Dava oficinas de música no Núcleo de Artes do Leblon e no Casarão dos Prazeres (projetos da Prefeitura) e nesse período produzia trilhas sonoras com os alunos. Foi uma troca muito rica nesse universo, com grupos de interesse, ou seja, eram no máximo quinze pessoas na sala e o conteúdo rendia muito bem. Diferente de quando trabalhei com turmas grandes (uma média de 40 alunos) onde a voz reclamou apontando dois nódulos e um fenda nas cordas vocais.

Entre ensaios com a banda, shows, gravações, precisei de uma pausa pela saúde vocal. Era o corpo pedindo a dosagem. Foi nesse momento que comecei a medir e colocar na balança o que valeria realmente. Pedi licença e sabemos que quando uma porta se fecha, logo vem outra anunciando a fresta! Trabalhei muitos anos em escolas com adolescentes e crianças, mas a vida foi generosa quando me levou em direção à clientela da Terceira Idade e da Musicoterapia. Me sinto útil em ajudar alguém tendo a música como ferramenta. Com esse sentimento me matriculei no curso de Pós Graduação em Musicoterapia do Conservatório Brasileiro de Música do RJ. Ainda dou aulas particulares, mas em menos quantidade do que antes. Um movimento natural que também optei por seguir. Ao mesmo tempo, conversando com amigos professores, não é raro ouvir que antes da pandemia, a procura era maior, já que a receita em geral era mais favorável pra isso. Hoje, com a crise que o mundo atravessa, acredito que a primeira coisa que se corta entre as contas mensais, é uma aula de música ou de qualquer arte, infelizmente.

Mesmo assim, o tempo é precioso e conto cada vez mais com ele para focar na música e vejo que é uma direção que não tem volta. Hoje consegui equilibrar o número de aulas necessárias para pagar as contas, sem perder de vista o processo de criação. Levei alguns anos para achar esse “caminho do meio”. Em algum momento, lá no início, minha ação como professora me ajudou no processo da compositora, descobrindo as múltiplas vias que a música poderia me proporcionar, mas nessa fase atual da minha vida, com 52 anos, vejo como um ciclo em mutação, onde essas tarefas não estão mais tão interligadas. Por exemplo, tenho muitas músicas que estão guardadas e nunca foram lançadas, o que gera uma certa inquietação natural e positiva também. Multiplicar o tempo para fazer o que é preciso!” conta a cantora.

Liza K anunciou o lançamento de seu novo álbum, em homenagem ao seu pai, composto por oito faixas. “Esse álbum é uma homenagem para meu pai que partiu na pandemia. Era um homem do mar, mergulhador-submarino e o sentido da palavra “simplicidade” (nome do álbum), traduz tudo o que ele me trouxe em palavra, gesto e sabedoria. Em vida, ele teve tempo de ouvir sete faixas sem os arranjos oficiais e também sabia que essa homenagem iria acontecer. São oito faixas no total: quatro já foram lançadas como singles e as outras quatro, serão lançadas junto com o álbum. Optamos por não apresentar todas, ou seja, lançar “faixa a faixa”, pois a ideia é deixar um gostinho de curiosidade, com algo novo para mostrar no final. Inicialmente até pensei em lançar as oito faixas, uma por mês, mas o Cebukin fez a seguinte observação: “Não seria redundante lançar todas as faixas? E quando o álbum for lançado, o que ele vai ter de novo? Vai deixar de ter a cara de um álbum e sim de uma coletânea de singles já lançados.” Achei perfeita essa lógica e optamos por deixar a metade do disco como surpresa. A música foco, que dá nome ao álbum, chama-se “Simplicidade” e é totalmente inédita. Fiz na pandemia. Entre as oito faixas do álbum, “Entra” também é inédita. As outras três canções que estão no álbum (“Brisa”, “O Mar” e “Eu Sou”) e que não foram lançadas como singles, já apresentei em vários shows e algumas pessoas já conhecem, mas elas nunca entraram em estúdio. Estou muito feliz em poder compartilhar esse material! O Cebukin está caprichando nos arranjos e a presença dos sopros nesse disco está trazendo uma sonoridade ímpar.”

Liza também adianta: “Os meses de maio e junho trazem novidades: o lançamento do álbum nas plataformas e em seguida o show com a banda, existindo ainda a possibilidade de sair mais um clipe para a música “Simplicidade”! Aguardem.”

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