Lucas Leal, um ator pernambucano, está compartilhando sua jornada marcante de atuar ao lado de renomados artistas como Mel Lisboa e Kaysar Dadour na Globo. Sua trajetória, que começou como um “ator de rua”, o levou a participar da minissérie “A Infância de Romeu e Julieta” no SBT. Com uma paixão inabalável pelas artes cênicas e uma dedicação incansável aos estudos, Lucas decidiu explorar o mercado audiovisual durante a pandemia, culminando em um momento marcante em sua transição das ruas para a TV ao atuar em “Cara e Coragem” ao lado de Mel Lisboa e Kaysar Dadour.
Em janeiro de 2022, Lucas fez um teste de elenco indicado pelo produtor Guilherme Gobbi para um papel relacionado ao Parkour, uma atividade que ele já dominava e era conhecido por na Unirio. A gravação ocorreu em junho do mesmo ano e foi ao ar em agosto, onde ele interpretou o personagem “Rafa”, um bandido na trama. A experiência foi intensa e emocionante, com apenas um ensaio antes das gravações, mas Lucas recebeu apoio de Mel Lisboa e foi acolhido de forma amigável por todos na Globo, o que resultou no sucesso da cena.
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Além de sua participação notável em “Cara e Coragem”, Lucas também teve a oportunidade de atuar em produções como “Gênesis”, “Além da Ilusão”, “Reis” e “Cine Holliúdy” e “Rio Connection”. Em 2023, ele também marcou presença na minissérie “A Infância de Romeu e Julieta” no SBT. Embora tenha percebido as diferenças na linguagem e expressão corporal entre o teatro de rua e a televisão, Lucas está disposto a explorar e se aprimorar em diferentes formas de atuação, entendendo que todas são manifestações artísticas.
Como foi a experiência de atuar ao lado de Mel Lisboa e Kaysar Dadour em “Cara e Coragem”? O que você aprendeu com esses colegas de elenco?
Foi uma experiência que levarei para sempre. Primeiro que foi uma cena complexa, onde recebi o roteiro um dia antes e todo material na hora do ensaio, então, tive que utilizar todas as técnicas que estudei ao longo dos anos de formação como ator para manter o foco. Não é fácil fazer participação, porque o elenco e equipe estão num fluxo de gravação e você chega “frio”. O kaysar é muito engraçado e simpático, bolamos várias ideias antes do ensaio e brincamos um pouco na maquiagem. A Mel foi uma fofa, porque viu que eu estava meio por fora das coisas, me puxou pelo braço e falou “você tá comigo”, nunca esquecerei. A pilha do cofre acabou, e a demora para repor causou uma tensão no ar, além das ações, equipamentos, falas, eu tinha uma senha real para o cofre, que não podia errar, se não travava ele de verdade e detonaria a gravação. Foi especial em relação as outras gravações que já participei na casa.
Você mencionou que é conhecido por fazer Parkour na Universidade Unirio. Como foi poder utilizar essa habilidade em uma cena da série?
Comecei com Parkour por acaso, quando descia do Alto do morro para pegar o ônibus (idos 2009/2010), e a galera do morrão (que fica no alto gávea) começou a dar esse nome “o cara do parkour”. Ai fui estudar, antes eu só fazia umas acrobacias… Parkour é “a arte do deslocamento”, e graças a isso comecei a entender minha trajetória “de Olinda para o morro no RJ”. Estudei, criei uma metodologia para formação de atores através das técnicas do parkour, juntando com o teatro antropológico (que parte do esgotamento físico para construção artística). Não sei o que seria do Lucas Leal sem essa técnica. E graças a ela cheguei no teste de elenco para novela. O que dizer? O mundo gira e te leva para onde você tem que estar, se estiver preparado lógico.
Além de “Cara e Coragem”, você também participou de outras produções, como “Gênesis” e “Além da Ilusão”. Como tem sido conciliar seu trabalho na TV com suas atividades como gestor da @cia.cartart e professor na SME/RJ?
Desafiador, tenho tido a sorte de encaixar a carreira de ator, produtor e professor. Eu costumo dizer que sou 3 Lucas, e não à toa meu nome já é no plural hehehehe. Faço de tudo um pouco, acreditando que a arte salva, a educação modifica a condição social e a produção cultural me permite escolher melhor os projetos que faço parte, alinhando meus horários de acordo com os compromissos na prefeitura.
Em “A Infância de Romeu e Julieta”, no SBT, você teve a oportunidade de interpretar um personagem em uma adaptação do clássico. Como foi participar desse projeto e trazer uma nova abordagem para essa história tão conhecida?
Fico feliz de ver produções que transformam histórias clássicas a partir do atual contexto. Sou um homem branco, que chegou de carona no RJ e foi morar no alto do morro, com vários nordestinos e pessoas pretas. Fiquei muito feliz com convite, e meu personagem foi bem bacana (aguardando ele voltar a trama), já que causo um conflito entre os núcleos dos mercadinhos que tem na trama. Graças a cena de cara e coragem, foi muito mais tranquilo gravar no SBT, cheguei preparado. Não é fácil sair do teatro, do teatro de rua, da performance, para tv. Como disse antes, acredito que estive onde deveria estar, porque estava preparado para isso. A novela é um sucesso, e como sou professor de crianças, eles adoraram ver o tio Lucas na TV. Foi um bafafá legal. Acredito que isso ajudou até no meu trabalho com eles, consigo alcançar um lugar especial no coração e a partir disso atuo pedagogicamente na formação global deles.
Você já teve uma trajetória como ator de rua, se apresentando em diferentes lugares do Brasil e América Latina. Como essa experiência influenciou seu trabalho na TV e no cinema?
Vou responder com o que a produtora Frida Richter escreveu quando reenviei meu currículo para globo (fiz meu cadastro em 2010, pois um amigo que fazia Zorra total falou que queriam um nordestino, não fui chamado para zorra, mas me chamaram para elenco B de “Clandestinos” e “totalmente demais”, e eu recusei, porque não era o que queria na época): “Linda sua trajetória”.
Ela me procurou em 2020, eu até estranhei, não tinha mandado na para Globo e há alguns golpes no meio. Pesquisei sobre, ela mandou print do meu cadastro com minhas fotos novinho, de 2010, e falei “Frida, isso são fotos de 2010” e ela falou “chegou sua vez”. Mandou um texto, gravei, e refiz o cadastro.
De lá para cá, fiz fotos com o amigo e melhor fotografo que conheço “Sérgio Santoian”, mandei material para algumas agências do RJ, produtores de elenco, e paralelamente continuei com meu trabalho como ator de rua.
Em resumo: “Cheguei lá, por estudo, pesquisa e trajetória, não por ser amigo de fulano ou sicrano.” Nunca sairei da Rua, porque amo, não é fácil, as vezes você tem 30s para fazer um semáforo ou prender a atenção de um passante na praça. Foi com o grupo D ´Improvizzo GANG de Pernambuco que aprendi tudo, trouxe para o RJ, e levo cada experiência de rua no meu corpo. Como digo para todos “eu sou da rua”.
O que mais o atrai na arte de atuar? Existe algum papel ou gênero que você gostaria de explorar futuramente?
Atuar para mim, é viver. É ser quem não sou, para descobrir quem sou. Só sendo quem você não é, é possível descobrir quem você é de verdade. E ser de verdade doi, machuca…. ainda mais em um mundo de aparências. Sempre paguei caro por ser de verdade, não me arrependo, mas poderia ter feito outras coisas e ter “chegado lá” mais rápido. Mas, tudo é no tempo que tem que ser.
Bem, eu sou clown (se chama Low) e ano passado cheguei com ele no Cine holliúdy, no episódio 8 da segunda temporada. Foi a concretização de um sonho. Das ruas para TV globo. Que loucura hein? Um nordestino favelado na globo, com seu palhaço (que existe desde 2007).
Mas no geral, gravei coisas com ar mais dramático, e eu sou um cara naturalmente engraçado, por ser feliz demais, e ter sofrido muito, busco sempre estar feliz, sorrindo e brincando. Acho que posso explorar melhor esse lado, embora seja muito difícil gravar humor, por ser muito fácil de ficar caricato ou teatral (pela minha formação).
O mais importante hoje para mim, não é o gênero e sim o projeto. Eu topo quase tudo com arte, pela e para arte. Desde criança, quando perguntam meu nome, eu respondo “Lucas Leal, 9 letras, sou artista” (sim, meu nome completo é Lucas Leal, e isso sempre foi uma questão: “Você não tem pai?” E respondia: tenho sim, meu pai é Leal e minha mãe também, ai ficou Lucas Leal… gostaria de colocar o Magalhães, da minha vovó Penha… quem sabe um dia eu faça isso?)
Além da atuação, você também possui formação acadêmica em história, cinema e artes. Como esses conhecimentos complementam sua carreira como ator?
Juntei tudo, cultura, arte, pedagogia, história… como disse, sou vários, nasci plural, Lucas Leal… se me perguntam algo e não sei responder, vou pesquisa, isso aprendi com a formação em história. E sei lá, hoje estou no pós-doutorado, com Heloisa Buarque de Hollanda como supervisora, uma imortal. Acho que “cheguei lá” por ser ator, que camufla minha timidez e me dá coragem de procurar pessoas, lugares e cursos que me ajudem a entender melhor o mundo. Ator que não pesquisa, não lê, não escreve, desculpem-me, mas não é ator.
Na sua opinião, qual é a importância de representatividade na televisão e no cinema? Como você se vê contribuindo para uma maior diversidade nas produções audiovisuais?
Sou pernambucano arretado, 14 anos de RJ, e me falam até hoje “e esse sotaque? Assim você não vai chegar na tv.” discordo bastante, e foi uma escolha de identidade, ter, usar e ser meu sotaque. Minha voz incomoda, meu corpo incomoda, e a arte que não incomoda, não é arte. Eu quero oportunidade de mostrar meu trabalho, com minha identidade, e disposto a encontrar outras pessoas que pensem como eu. Acho que de 2009 para cá, muita coisa mudou na sociedade e hoje temos muitos nordestinos na TV. Como disse, eu topo quase tudo pela arte, então, vou representar qualquer personagem e trabalhar ele da melhor forma para que a produção e direção perceba em mim, uma possibilidade de transformação. Ainda acho que atuo bem como agente social, como professor, e atuar na TV, tem me possibilitado falar dos meus projetos particulares, como o meu livro-filme-teatro @pequenolivrosemtítulo (que dentro vem um QRcode para o filme “Que tipo de poeta sou eu?” e com o texto teatral “por que a cor das meias importam?”). Percebe? Eu sou plural, eu sou diversidade. Mas tem muita gente fazendo muita coisa boa por aí e não tem oportunidade. Acredito que deveriam variar mais os atores… o povo quer coisa nova sempre… tanto que agora muitos amigos do teatro estão recebendo oportunidade e não temos sempre os mesmos atores fazendo todas as novelas.
Quais são seus projetos futuros? Há algum papel ou desafio que você gostaria de realizar em sua carreira?
Posso responder com um trecho de uma música do artista que mais admiro?
“Já fui católico, budista, protestante,
Tenho livros na estante, todos tem explicação.
Mas não achei! eu procurei!
Pra você ver que procurei,
Eu procurei fumar cigarro hollywood,
Que a televisão me diz que é o cigarro do sucesso.
Eu sou sucesso! eu sou sucesso!
No posto esso encho o tanque do meu carro
Bebo em troca meu cafezinho, cortesia da matriz.
“there’s a tiger no chassis”…
Do fim do mês,
Do fim de mês,
Do fim de mês eu já sou freguês!”(fim de mês de Raul Seixas)
Tipo isso… eu ainda sou católico, recentemente comprei uma kit no “morro que nasci”, e quero andar tranquilamente na favela que me faz feliz (Parque da cidade). Meus projetos futuros são com a rua, com a favela… quero montar um cinema lá. E para isso, preciso de mais dinheiro do que meu salário como professor. Então, sigo fazendo testes de elenco para conseguir um papel grande e investir no sonho do cinema na favela (é meu projeto de vida… minha aposentadoria…)
Você mencionou que é católico e acredita no tempo das coisas. Como a sua fé influencia sua jornada como ator e como pessoa?
Nossa, fiquei arrepiado. Sem deus eu não seria ninguém. Viajando pela América de carona, dormi em qualquer tipo de lugar e conheci todo tipo de pessoas. E nada me aconteceu (só uma facada leve em uma favela na Argentina). Sou um sobrevivente, um artista independente, solo, e sem deus, eu não teria forças. Quando falo de deus, algumas pessoas se assustam, mas já tive algumas epifanias. Quando estava sem grana para comer (2010) no RJ, e o semáforo tava ruim… foi perto do resultado da prova de mestrado.
Eu nunca tinha sido primeiro em nada na vida… e o programa que fiz só tinha uma única bolsa. Foram 398 inscritos, 160 passaram na prova escrita. Nessa época eu morava escondido na “casa da bruxa” (uma casa abandonada dentro da universidade), e fui à praia de botafogo desenrolar alguma comida, depois subi numa árvore e lá vi deus: Ele falou: Você vai ser primeiro lugar no mestrado. Isso era dezembro de 2010, voltei para Olinda, de carona, e lá contei apenas para minha mãe isso. O resultado sairia final de janeiro… e PIMBA: fui primeiro colocado na seleção, ganhei a bolsa, iniciei meu projeto de mestrado em março de 2011, e durante a pesquisa conheci o PACC (programa avançado de cultura contemporânea da UFRJ) que tem um projeto de extensão chamado “Universidade das quebradas”, coordenado justamente pela minha atual supervisora, Heloisa Buarque de Hollanda. Conseguem entender? Conseguem sentir deus? Helô hoje nem orienta mais, porém, quando mandei o meu projeto de pesquisa em 2022, ela se animou, e cá estou, das ruas para universidade, do morro para TV, dos meus sonhos, para essa reportagem. Isso é deus.
Como minha mainha fala “Lucas, sabe o que é deus? Deus é aquele vazio que sentimos. Quando você sentir esse vazio, converse com ele”. Então, sempre que tudo parecia que ia dar errado, um vazio na alma, conversei com deus, e ele me deu tudo que tenho. Inclusive a oportunidade de falar de mim com vocês. Obrigado pela entrevista e por dar espaço para esse nordestino favelado.
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