Representativo

Thiago Teodoro explora homossexualidade na mitologia brasileira através de “A Banda Sagrada de Teba”

"A Banda Sagrada de Tebas" é uma ficção que reúne duas décadas de pesquisa de Thiago Teodoro sobre as relações entre mitologia e diversidade sexual

Publicado em 07/06/2023
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Milhares de anos antes da homofobia existir, os povos originários do Brasil cultuavam deuses com características associadas à homossexualidade. Em “A Banda Sagrada de Tebas”, o jornalista, pesquisador e músico Thiago Teodoro apresenta teses sobre como divindades como Anhangá e Acauã eram homossexuais, desafiando conceitos tradicionais sobre gênero e sexualidade na mitologia brasileira.

No livro, o autor condensa décadas de pesquisas em uma trama ficcional que conta a história de Martim Vieira, um sacerdote da Banda Sagrada de Tebas, um famoso grupo musical cujo nome faz referência ao batalhão homônimo composto por casais gays que venceram Esparta na Batalha de Leuctra há 2.500 anos. Ao dialogar sobre história, ciência e mitologia, o protagonista revela a trajetória da sua banda e a conexão dos deuses indígenas com a antiga população do Brasil.

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Thiago Teodoro vai além das fronteiras brasileiras ao explorar divindades como Pã, Apolo, Dioniso e Zeus, que estão relacionadas com Anhangá e Acauã. O livro também aborda a história de Antínoo, parceiro amoroso do imperador romano Adriano, e sua transformação em símbolo divino após sua morte. Além disso, a obra oferece conteúdos práticos e imersivos sobre a religião do deus gay Antínoo, incluindo QR codes para os leitores ouvirem músicas temáticas criadas pelo próprio autor.

“A Banda Sagrada de Tebas” surgiu como um projeto para explorar as descobertas sobre o Povo de Luzia, a ocupação humana mais antiga das Américas encontrada em Pedro Leopoldo, cidade natal do autor. No entanto, Thiago Teodoro decidiu direcionar o foco do livro para destacar a sacralidade da homossexualidade em diferentes períodos da antiguidade, inclusive no território brasileiro. Segundo o autor, a homossexualidade era vista como algo divino e necessário.

Thiago Teodoro é escritor, jornalista e cantor, e reside em Pedro Leopoldo, Minas Gerais. Sua busca por resgatar a história do Povo de Luzia levou a décadas de pesquisa, culminando na publicação de “A Banda Sagrada de Tebas”, uma obra que mergulha na homossexualidade presente na mitologia e nas antigas tradições brasileiras.

Como surgiu o interesse em pesquisar e escrever sobre a presença da homossexualidade na mitologia dos povos originários do Brasil e de outras culturas?

Na verdade, essa era a última coisa que eu esperava ou queria encontrar quando iniciei minhas pesquisas, pois cresci em um ambiente homofóbico e muito religioso. Por mais que eu soubesse da minha natureza homossexual desde a infância, eu acreditava que um milagre me mudaria, assim como o racismo fez tantas pessoas pretas escravizadas acharem que poderiam clarear a pele; assim como o medo do fogo da Inquisição fez seguidores de outros credos se converterem ao cristianismo. Nasci em uma cidade mineira chamada Pedro Leopoldo, onde foram descobertos os restos do Povo de Luzia, o mais antigo das Américas. E esse passado recebia (e ainda recebe) pouquíssima atenção da cidade e do país. Ainda na infância, eu estava disposto a pesquisar e guardar os resultados dessas pesquisas até perto dos meus quarenta anos, quando eu escreveria um livro a esse respeito. E assim foi. Mas como estudar civilizações sem sondar suas crenças? E como sondar suas crenças sem contemplar seus deuses, muitos deles homossexuais? Foi meu processo de estudo e pesquisa que fez a mudança acontecer em mim: a mudança que nos leva a amar quem somos e viver sem máscaras.

Qual foi o processo de pesquisa que você adotou para desenvolver o livro “A Banda Sagrada de Tebas”? Quais foram as fontes utilizadas e as experiências que contribuíram para a construção da narrativa?

Primeiramente, fui para os sítios arqueológicos do Brasil e do Chile fazer pesquisas in loco, principalmente em busca de confirmar ou refutar tudo o que eu estava descobrindo através do cruzamento de documentos e textos diversos. Em segundo lugar, dei continuidade às pesquisas extraordinárias de grandes mentes que tiveram o trabalho interrompido pela morte. É o caso, por exemplo, das pesquisas de Fidélis da Motta, um frei que usava o idioma sumério para traduzir palavras do tupi-guarani. Isso nos conta muito sobre a mescla dos remanescentes do Povo de Luzia com os asiáticos que vieram pelo Estreito de Bering, originando os indígenas do Brasil. Também fiz muitas entrevistas com especialistas nos assuntos que formam minha obra. Além de resgatar dados históricos deixados em textos milenares de homens como Platão, Plutarco e Sócrates. Esse último, por exemplo, nos legou informações preciosas a respeito do que hoje chamamos homossexualidade. Por que nunca ouvimos falar sobre essas coisas? É parte do que eu respondo no livro ‘A Banda Sagrada de Tebas’.

Como você descreveria a importância da representatividade LGBTQIA+ na mitologia e sua relevância para a comunidade?

O repúdio à homossexualidade é algo extremamente recente na história humana. Afinal, dois ou cinco mil anos não são nada comparados à idade da humanidade. A homofobia é uma criação das religiões abraâmicas, e essas são extensões do patriarcado, desse sistema social e político que surgiu faz poucos milênios. Compreendendo isso, fica fácil entender o porquê das primeiras religiões do mundo (todas elas pagãs) terem visto a homossexualidade e todas as outras manifestações da sexualidade humana como aspectos da natureza. Em todos os panteões antigos encontramos deuses gays, lésbicas, bissexuais, intersexuais, etc. E por que estou falando de religião? Porque mitologia é um elemento da religião. O problema é que achamos que mitologia é sempre a religião dos outros, não a nossa. Se há algo quase intacto que pode nos contar amplamente sobre como os povos antigos viam as coisas, esse algo é a mitologia. Por isso resgatei mitologias de várias partes do mundo para uni-las em ‘A Banda Sagrada de Tebas’ como peças de um quebra-cabeça cuja grande imagem é a homossexualidade como algo mais do que digno e sagrado: necessário.

Thiago Teodoro (Foto: Divulgação)

Além das divindades brasileiras, como Anhangá e Acauã, e das divindades gregas, como Pã, Apolo, Dioniso e Zeus, você mencionou a trajetória de Antínoo. Poderia nos contar um pouco mais sobre o papel desse personagem histórico e sua influência na abordagem do livro?

Diferente de todos os deuses que você citou, Antínoo existiu em carne e osso. E todos nós já o vimos um dia, através das suas dezenas de estátuas famosas ainda espalhadas pelo mundo e que o tornam o rosto grego mais famoso e belo de todos os tempos. É através da vida desse parceiro do imperador romano Adriano que conto a história de ‘A Banda Sagrada de Tebas’. Ouso dizer que ele é o narrador do livro, mas de um jeito inusitado que não quero contar (para não estragar as surpresas). O que posso adiantar é que podemos encontrar Antínoo como deus gay em vários panteões, inclusive do Brasil, só que com outros nomes…

Em “A Banda Sagrada de Tebas”, você faz uma conexão entre história, ciência e mitologia. Como esses elementos se entrelaçam na sua obra e como eles contribuem para a compreensão da homossexualidade na antiguidade?

Sempre lembro as pessoas que mitologia não se trata de mentira; trata-se de sombras de algo que já foi, mas que é tão antigo não podemos precisar, datar, etc. Mitologia é linguagem que usa arquétipos, símbolos. As informações do passado foram sendo modificadas de geração após geração, e chegaram até nós alteradas, simplificadas, codificadas, mas sem perder a essência. Isso é mitologia. Assim, uso a ciência e a história para desvendar a mitologia. Em ‘A Banda Sagrada de Tebas’ lancei mão, por exemplo, da psicologia analítica para compreender os mitos com personagens LGBTQIA+ e nomear arquétipos homossexuais nunca antes nomeados.  

O livro contém QR codes que direcionam os leitores para músicas temáticas produzidas por você. Como a música se integra à experiência de leitura e qual é o papel da música na transmissão da mensagem do livro?

A música sempre foi ofício de uma maioria LGBTQIA+. Como sou cantor e compositor, quis que essa arte criasse uma experiência imersiva para meu leitor. Tive mais certeza da necessidade disso quando percebi que a Banda Sagrada de Tebas que existiu na Grécia Antiga soa como uma banda musical nos dias de hoje. Ao dizer ‘Banda Sagrada de Tebas’, poucas pessoas sabem que se trata de um batalhão grego, um exército de elite formado por 300 soldados gays. Então por que não criar uma banda musical com esse nome e com uma missão parecida? É um ótimo trocadilho! Mas quando descobri que o primeiro deus masculino na cronologia mitológica é LGBTQIA+, primeiro músico, e que ele transmitiu o conhecimento da música para seu parceiro homossexual, ficou claro que a música tinha um papel gigante no resgate da história da homossexualidade.

Qual mensagem você espera transmitir aos leitores, especialmente à comunidade LGBTQIA+, por meio do seu livro? Como você acredita que o conhecimento histórico e científico pode contribuir para uma vida mais plena e empoderada?

O romance ‘A Banda Sagrada de Tebas’ é como uma iniciação nos antigos Mistérios da Religião de Antínoo. Ao ler essa obra, você compreende porque a homossexualidade é digna e sagrada. Mas compreende algo ainda maior: compreende que ela é necessária! Alguns nomes fortes do mercado editorial me sugeriram que não escrevesse todas essas verdades, pois expor a raiz da homofobia e a história que nos levou aos intolerantes dias de hoje toca em grupos que ainda são poderosos. Mas sou um jornalista, e a função do jornalismo é exatamente a denúncia. Se essa obra ajudará pessoas LGBTQIA+ e seus familiares a repensarem nossa existência, então meu trabalho valeu a pena!

Além de ser um escritor, você também é jornalista e músico. Como essas diferentes formas de expressão se complementam em sua trajetória artística e na divulgação das suas ideias?

Só conheço um nome possível para uma pessoa que faz resgates históricos, espalha suas descobertas, canta e compõe: bardo. Eu sou um bardo. Demorei a compreender isso. Como eu poderia ter tantas profissões ao mesmo tempo? Como eu poderia usar todas essas ferramentas em uma coisa só? Foi assim que compreendi minha vocação. Os bardos originais (não aqueles quase pedintes que cantavam em tabernas e eram domesticados pela Igreja) eram magos celtas, druidas, especializados em espalhar o conhecimento e a história através da narração e da música. E o mais interessante: era muito comum que os bardos fossem LGBTQIA+.

Como você enxerga a recepção do público em relação ao livro “A Banda Sagrada de Tebas” e qual tem sido o impacto da obra na discussão sobre a diversidade sexual na sociedade?

Faz mais de dois anos que estou ativo nas redes sociais e em outros canais escrevendo sobre a história da homossexualidade, gravando vídeos, acolhendo aqueles que pedem conselhos, e lançando músicas relacionadas à diversidade. Então as pessoas já estavam ansiosas pelo livro. Ainda não tive retorno dos leitores, pois ‘A Banda Sagrada de Tebas’ acabou de ser lançado. Mas, a pedidos, tive que autografar e dar um beijo carinhoso em todos os livros enviados até o momento. Acho que isso indica que as pessoas estão realmente ansiosas por esse romance. E isso é gratificante demais para um autor.  

Quais são seus planos futuros? Você tem algum projeto em mente relacionado à temática LGBTQIA+ ou outros temas que gostaria de abordar em suas próximas obras?

Estou trabalhando no meu próximo livro, que também resgatará mais da pré-história do Brasil e da história da homossexualidade. Igual a ‘A Banda Sagrada de Tebas’, ele terá músicas como parte importante da trama. Até porque o personagem principal existiu de verdade, como Antínoo, mas teve uma vida muito ligada à música. Isso quer dizer que lançarei mais canções inéditas para compor a trilha sonora desse projeto de 2024. É só o começo! E eu espero ter todos vocês caminhando perto de mim.

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