A 14a. edição do reality show “A Fazenda” será marcado como a pior desde a estreia devido ao comportamento grosseiro e agressivo entre seus participantes, a maioria formada por pessoas que estão na busca incessante pelo sucesso e que tem chocado a audiência e patrocinadores pelo excesso de divergências e discussões infundadas repletos de ofensas pessoais, ofensivos e palavras de baixo calão, muitas vezes envolvendo familiares dos participantes.
Mas a grande questão é por que esse comportamento em tempos de pandemia onde palavras como empatia, sororidade e respeito começaram a fazer parte do vocabulário (e atitudes) do povo brasileiro. Baixaria pode muitas vezes marcar uma carreira e até terminar com ela, além do cancelamento nas redes sociais que é um dos medos dos confinados. As atitudes muito fazem lembrar cenas que vimos, no cotidiano ou em filmes e documentários de pacientes recém-saídos de hospitais psiquiátricos ou embates entre profissionais da prostituição querendo marcar território em esquinas. Vale lembrar que boa parte do elenco é “influencer” e possui milhões de seguidores que acompanham sua rotina e muitas vezes espelham seu comportamento, isso é podemos chamar de “bad influence”.
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Para tentarmos entender esse comportamento, em busca ao prêmio de R$ 1,5 milhão, convidamos o psicoterapeuta Marcos Pereta. especialista em saúde mental, pós-graduado em neurociência e especializado em teoria da Inteligência Multifocal e Gestão da Emoção que nos fala com exclusividade:
A edição atual do reality show “A Fazenda” está dando o que falar quando o assunto é comportamento humano – e não é difícil identificar o estranhamento entre os “peões” e até uma agressividade latente em cada participante. E para analisar mais profundamente esse cenário que tem como protagonista o ser humano em seu estado extremo, precisamos reunir vários elementos psicológicos, sociais, econômicos e culturais.
Para iniciar essa reflexão, é necessário entender que nossa sociedade ainda está confusa diante do turbilhão vivenciado pelo período pandêmico, principalmente, quando se observa a alta carga de estresse, de medo, de insegurança, de desafios econômicos e desequilíbrios bioquímicos e emocionais (mentais). Nesse contexto, estamos passando por um período de “estresse pós-traumático”, e todos os seres humanos desse planeta azul estão sofrendo pelo aumento dos quadros de ansiedade, depressão, irritabilidade, má qualidade de sono, péssima alimentação e dificuldade de relacionamento.
Dentro desse panorama, nossos peões além de carregarem as marcas desse período, estão submetidos a um confinamento que se torna um verdadeiro “monstro” estressante para o corpo e para a mente. É interessante esse ponto, pois nosso sistema de defesa ao estresse é o mesmo que o dos “homens das cavernas”. Sim! Nosso organismo reage perante os agentes estressores (como o confinamento) da mesma forma que reagiria na presença de um predador ou diante da fome intensa. E o resultado dessa reação também se dá pelo viés bioquímico e psicológico – pelo viés bioquímico, nosso organismo libera adrenalina e cortisol em excesso, nos ofertando três caminhos: lutar, fugir ou travar; já no viés psicológico, todos nós entramos (diariamente, quando não conscientes) num comportamento de guerra: quando somos ofendidos, criticados ou nos sentimos inseguros, normalmente, vivemos um papel de vítima ou nos tornamos também um agressor/predador, dando início aos conflitos constantes e diários
em nossos relacionamentos interpessoais.
E para “colocar mais lenha na fogueira”, é válido salientar que os seres humanos tendem a imitar o comportamento do grupo que estão inseridos e são comuns atos violentos se espalharem como um vírus dentro de uma mesma tribo.
Portanto, não é preciso se surpreender com os comportamentos dos peões, já que esses pertencem a nossa espécie e fazem parte da nossa sociedade e por consequência, irão dentro de um confinamento reproduzir (em alta escala) a mesma dificuldade que temos fora da “fazenda” de lidar com o estresse, com as críticas, com as frustrações, com a ansiedade, etc.
No entanto, não se deve esquecer que esse programa também tem como intuito (em especial para os participantes) a repercussão de notícias, nomes e imagens – sendo plausível pensar que muitos estão vivendo com máscaras ou vivendo personagens para ganharem fama e destaque na mídia nacional. Até poderíamos permanecer nessa reflexão, mas precisamos dar sequência nas perguntas e questionar: será que um ser humano consegue viver um personagem por um longo tempo, ainda mais diante de constante estresse, insegurança e relacionamentos com pessoas que não tinham um contato eficiente de antemão?
Assim, fica claro que estamos assistindo não pessoas distantes da nossa história, mas sim representações das nossas reais dificuldades sociais, culturais e interpessoais. E para que esses personagens que impressionam nossa consciência pelos comportamentos inadequados, agressivos ou desrespeitosos deixem de representarem nossa sociedade e a nós mesmos, precisaremos (cada um de nós) refletir e analisar diariamente os nossos comportamentos, nossos pensamentos, nossas posturas, nossas verdades, nossos relacionamentos, nossos medos e nossa própria consciência (o Eu que “diz” o que é certo ou errado, bom ou ruim, que carrega o direito de escolha). Caso contrário, continuará sendo fácil sentar no sofá e apontar o dedo para aqueles que estão em situações de estresse e não apresentam uma verdadeira gestão da emoção diante dos focos de tensão.