O dia em que o pênis de John Lennon dos Beatles causou um enorme escândalo

Publicado em 22/05/2020
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O lendário disco Unfinished Music No 1: Two Virgins, lançado há mais de 50 anos por John Lennon, é um dos trabalhos mais queridos dos fãs fervorosos dos Beatles. O projeto foi o primeiro duma trilogia de três álbuns experimentais que John Lennon e Yoko Ono gravaram com sons de canto dos pássaros, gritaria, amplificadores, loops de fita e instrumentação distorcida. Tudo isto foi gravado em uma sessão de um dia na casa Surrey de Lennon. “Era meia-noite quando terminamos, e depois fizemos amor ao amanhecer”, lembrou Lennon. “Foi muito bonito.”

A gravação vanguardista aborreceu ou enfureceu a maioria dos críticos. Ao pensar no álbum de John Lennon e Ono, George Harrison foi diplomático, mas astuto: “Eles estavam de tal forma interessados uns nos outros que pensavam que tudo o que diziam ou faziam era de importância mundial, e por isso fizeram-no em discos e filmes”, disse ele. As músicas do álbum nunca iriam chegar ao mainstream (só vendendo 5.000 cópias no Reino Unido), mas o seu aspecto visual causou bastante agitação – a capa consistia numa única imagem sépia dos pombinhos de pé completamente nus.

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(FOTO: Reprodução)

“Mesmo antes de fazermos este disco, imaginei produzir um álbum dela e pude vislumbrar a capa deste álbum a ser despida porque o seu trabalho era tão puro”, disse Lennon numa entrevista com David Sheff. “Não consegui pensar noutra forma de a apresentar”. A dupla confessou sentir-se “um pouco envergonhada” quando chegou a altura de despir a roupa para a sessão fotográfica, por isso o próprio Lennon tirou a foto usando um tempo de espera.

“Não foi uma ideia sensacional nem nada”, insistiu Lennon, mas sendo sempre capaz de conseguir provocar a imprensa, pois – para além de uma cama não arrumada – a única outra coisa visível na capa era uma cópia do jornal conservador The Times. Esta não era uma escolha óbvia para um notório músico esquerdista, e quando Lennon mostrou a arte ao colega de banda dos Beatles, Ringo Starr, o baterista foi rápido ao entender a provocação.

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“A capa era um “soco no estômago”, disse Starr na The Beatles Anthology. “Ele mostrou-me a capa e eu apontei para o The Times: ‘Oh, até tem o The Times nele…’ como se ela não tivesse o seu pint* pendurado”.

“Eu disse: ‘Ah, vá lá, John. Está fazendo tudo isto e pode ser tranquilo para ti, mas você sabe que todos nós teremos de responder. Não importa; o que quer que um de nós faça, todos temos de responder por isso”.

(Registro de como o disco era comercializado nas lojas FOTO: Reprodução)

É certo que os jornais fizeram da fotografia com o nu artístico um escândalo, por mais inocentes que fossem as intenções por detrás dela. O assessor de imprensa dos Beatles, Derek Taylor, resumiu a resposta de grande parte do público ao projeto na Antologia do grupo: “Esta coisa imunda! Olhem para estas pessoas imundas!” e havia um grande círculo sobre a parte obscena e uma seta: “Aqui é onde a parte obscena estaria se pessoas como nós não fossem tão decentes. Não sonharíamos em mostrá-la a vocês – mas elas não são horríveis!”.

Numa tentativa de realçar a hipocrisia da reação conservadora à capa, Taylor teve a ideia de acrescentar à capa uma linha bíblica do capítulo dois do Génesis: “E ambos estavam nus, o homem e sua esposa, e não tinham vergonha.”

A justificação bíblica não ajudou. A gravadora EMI recusou-se a distribuir o disco mundialmente e a Track e Tetragrammaton só o fez depois de as cópias do disco terem sido embaladas em envelopes de papel pardo. Porém, diversas lojas recusaram-se a armazenar o disco, e em Newark, New Jersey, onde havia cerca de 30.000 cópias a venda, as unidades foram confiscadas pela polícia e apreendidas. Sissy Spacek até lançou uma canção sobre a capa intitulada: “John, You Went Too Far This Time”.

(FOTO: Reprodução)

Two Virgins, assim foi nomeado o projeto porque a dupla se sentia como “dois inocentes, perdidos num mundo que enlouqueceu” e porque consumaram a sua relação após a gravação, sendo um dos primeiros exemplos de censura da arte na história.

Nos 50 anos desde o seu lançamento, pouco mudou. Em 1974, a criatura artística de David Bowie que estava na capa do Diamond Dogs teve os seus órgãos genitais censurados. No mesmo ano, a capa icônica da Roxy Music para a Country Life, com duas mulheres em lingerie, recebeu uma reedição que apenas mostrava o arbusto de pinheiro que se encontrava atrás deles.

Mais recentemente, em 2010, cerca de 42 anos depois de John Lennon, algumas lojas rejeitaram o My Beautiful Dark Twisted Fantasy de Kanye West porque a sua capa apresentava um pequeno desenho de West a ser montado por uma mulher nua e alada. A Amazon optou por utilizar uma das obras de arte alternativas para o álbum – uma bailarina segurando um copo de vinho – na sua página de pré-encomenda.

O projeto de Kanye West (FOTO: Reprodução)

O lançamento de Two Virgins de John Lennon coincidiu com a difusão da segunda onda de feminismo e com a publicação do ensaio de Lew Louderback intitulado “More People Should be Fat!”, que procurava corrigir a vergonha do corpo e fazia nascer um movimento à sua volta.

A imagem era para provar que não somos um casal de loucos dementes, que não somos deformados de forma alguma e que as nossas mentes são saudáveis”, disse Lennon em Anthology. “Se conseguirmos fazer a sociedade aceitar este tipo de coisas sem ofensa, sem rir de nós, então estaremos a alcançar o nosso propósito.

Diante de tudo isto, acabamos nos lembrando de tantos músicos que atualmente falam em aceitar o próprio corpo, por muito moderno que isso possa soar. Sendo assim, Lennon e Ono acabaram provando que estavam bem à frente do seu tempo neste assunto.

(FOTO: Reprodução)

Artigo publicado no Independent pelo jornalista Christopher Hooton

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