O golpe milionário da pedofilia: como o jornalismo lucrou com mentiras sobre Michael Jackson?

Publicado em 22/06/2020
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Faz cinco anos hoje que doze jurados absolveram por unanimidade Michael Jackson de várias acusações de abuso de crianças, conspiração e fornecimento de álcool a um menor. É difícil saber como a história se lembrará do julgamento de Michael Jackson. Talvez como o epítome da obsessão das celebridades ocidentais. Talvez como um linchamento do século XXI. Pessoalmente, penso que será recordado como um dos episódios mais vergonhosos da história jornalística.

Só quando se pesquisa os arquivos de jornais e assiste a horas de cobertura televisiva é que compreende verdadeiramente a magnitude das falhas dos meios de comunicação social. E foi em todo setor. Não há dúvida de que havia alguns repórteres e mesmo certas publicações e estações de televisão que favoreciam abertamente a acusação, mas muitas das deficiências dos meios de comunicação social eram institucionais. Numa comunicação social obcecada com os sons, como reduzir oito horas de depoimento em duas frases e manter a precisão? Numa era de notícias por minuto e do imediatismo dos blogs, como resistir à tentação de sair da sala de audiências na primeira oportunidade para dar notícias das últimas acusações obscenas, mesmo que isso signifique perder uma fatia do testemunho do dia?

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(FOTO: Reprodução)

Olhando para o julgamento de Michael Jackson, vejo uma comunicação social fora de controle. A enorme quantidade de propaganda, parcialidade, distorção e desinformação fica quase fora de compreensão. Lendo as transcrições do tribunal e comparando-as com os recortes de jornais, o julgamento que nos foi transmitido nem sequer se assemelhava ao julgamento que estava a ocorrer dentro da sala de audiências. As transcrições mostram um desfile interminável de relatos de acusação infindável, rejeitando-os quase de hora em hora e desmoronando-se sob interrogatório cruzado. Os recortes de jornais e os recortes de notícias da TV detalham dia após dia as acusações hediondas e as insinuações esfarrapadas.

(FOTO: Reprodução)

Foi em 18 de Novembro de 2003 que 70 xerifes foram ao Rancho Neverland de Michael Jackson. Assim que as notícias sobre o caso se tornaram públicas, os canais de notícias abandonaram os seus horários e mudaram para uma cobertura de 24 horas. Quando se soube que Jackson era acusado de molestar o jovem sobrevivente do câncer Gavin Arvizo, o rapaz que segurava a mão do cantor em “Living With Michael Jackson”, de Martin Bashir, os meios de comunicação social entraram em êxtase. As redes estavam tão obcecadas com o escândalo Jackson que um ataque terrorista na Turquia quase não foi relatado, tendo apenas a CNN se dado ao trabalho de transmitir a conferência de imprensa conjunta de George Bush e Tony Blair sobre a catástrofe.

Cena do filme Living With Michael Jackson (FOTO: Reprodução)

As três grandes redes começaram imediatamente a produzir especiais de uma hora sobre o caso Jackson, aparentemente se esforçado pelo fato de ainda nada se saber sobre as alegações e de os procuradores não terem respondido às perguntas. A CBS dedicou um episódio de 48 Horas Investigates ao caso, enquanto o Dateline da NBC e o 20/20 do ABC também apressaram seus especiais Jackson. Dois dias após o ataque à Terra do Nunca, e antes mesmo de Jackson ter sido preso, o canal VH1 anunciou um documentário de meia hora chamado “Michael Jackson Sex Scandal”.

O jornal Daily Variety descreveu a história Jackson como “uma dádiva para… os meios de comunicação social, em particular os canais de notícias por cabo e as estações locais que pretendem aumentar os índices Nielsen na última semana das importantes vendas de Novembro”.

O Daily Variety estava certo. As notícias orientadas para as celebridades viram os números dispararem quando a história de Jackson foi abordado. Os números relativos ao Access Hollywood aumentaram 10% em relação à semana anterior. O Entertainment Tonight e o Extra alcançaram os melhores números de audiência da época e o Celebrity Justice também teve um aumento de 8%.

Os jornais reagiram tão histericamente como as estações de televisão. O “Sicko!” gritou o New York Daily News. “Jacko: Agora, “Saiam desta”, foi o New York Post.

O The Sun – o maior jornal britânico – publicou um artigo intitulado “He’s Bad, He’s Dangerous, He’s History”. A matéria tratou Jackson como uma “ex-ex-estrela negra”, um “anormal” e um “indivíduo “tortuoso” e apelou para que os seus filhos fossem acolhidos. “Se ele não fosse um ídolo pop com pilhas de dinheiro para se esconder”, dizia, “ele teria sido apanhado há anos”.

O jornal The Sun ao noticiar a morte do cantor em 2008 (FOTO: Reprodução)

Incentivados pelo público, os meios de comunicação social, incentivados pelo escândalo Jackson, fizeram da sua missão a defesa do caso por tudo o que puderam. Tom Sinclair, da Entertainment Weekly, escreveu: “Os especialistas midiáticos, desde o repórter de tabloide mais experiente até à âncora de notícias mais interiorana da rede, estão a fazer um esforço excessivo para encher as colunas e o tempo de transmissão com pitadas de Michael Jackson em conversas e diálogos”.

“A pressão sobre os jornalistas é enorme”, disse o advogado Harland Braun a Sinclair. “Portanto, advogados de quem nunca se ouviu falar na televisão falaram de casos com os quais não têm qualquer ligação.”

Sinclair acrescentou: “E não apenas advogados”. Todos, desde médicos, escritores e psiquiatras a funcionários de lojas de conveniência, que uma vez aguardaram por Jackson, passaram a falar na televisão e na imprensa”.

Enquanto os meios de comunicação social estavam ocupados criticando uma série de charlatães e conhecidos distantes pelas suas opiniões sobre o escândalo, a equipe de investigadores por trás do último caso Jackson estava envolvida num comportamento altamente questionável – mas os meios de comunicação social não pareciam importar-se.

Durante o caso de Neverland, o Procurador do Distrito de Tom Sneddon – o procurador que perseguiu Jackson sem êxito em 1993 – e os seus agentes violaram os termos do seu próprio mandado de busca ao entrar no gabinete de Jackson e ao confiscar coleções de documentos empresariais irrelevantes. Também invadiram ilegalmente o escritório de um PI que trabalhava para a equipe de defesa de Jackson e retiraram documentos de defesa da casa do assistente pessoal do cantor.

O procurador Tom Sneddon também parecia estar a adulterar elementos fundamentais do seu caso sempre que surgiam provas que minavam as alegações da família Arvizo. Por exemplo, quando o Ministério Público soube de duas entrevistas gravadas em que toda a família Arvizo cantou músicas de Jackson e negou qualquer abuso, foi introduzida uma acusação de conspiração e alegado que eles tinham sido obrigados a mentir contra a sua vontade.

Num caso semelhante, o advogado de Jackson, Mark Geragos, apareceu na NBC em Janeiro de 2004 e anunciou que o cantor tinha um “álibi concreto, revestido a ferro” para as datas constantes da folha de acusação. Quando a presença comprovada de Jackson foi especificada para Abril, as datas de abuso no processo tinham sido alteradas em quase duas semanas.

Mais tarde, Sneddon foi pego tentando plantar provas de impressões digitais contra Jackson, permitindo que o acusador Gavin Arvizo manuseasse revistas para adultos durante as audiências do grande júri, guardando-as depois e enviando-as para análise das impressões digitais.

Não só a maioria dos meios de comunicação social ignorou esta onda de atividade questionável e ocasionalmente ilegal por parte da acusação, como também pareceu perfeitamente satisfeito perpetuar uma propaganda condenatória em nome da acusação, apesar da total ausência de provas corroborativas. Por exemplo, Diane Dimond apareceu no Larry King Live dias depois da detenção de Jackson e falou repetidamente de uma “pilha de cartas de amor” que a estrela tinha supostamente escrito a Gavin Arvizo.

“Alguém aqui… sabe da existência destas cartas?” perguntou King.

“Absolutamente”, respondeu Dimond. “Eu sei. Eu sei absolutamente da sua existência!”

“Diane, já as leste?”

“Não, eu não as li.”

Dimond admitiu que nunca tinha sequer visto as cartas, quanto mais tê-las lido, mas disse que as conhecia de “altas fontes de aplicação da lei”.  Mas essas cartas de amor nunca se materializaram. Quando Dimond disse que “sabia absolutamente” da sua existência, baseava os seus comentários apenas nas palavras de fontes policiais. Na melhor das hipóteses, as fontes policiais estavam a repetir as alegações da Arvizos. Na pior das hipóteses, eles próprios tinham inventado a história para manchar o nome de Jackson. Seja como for, a história deu a volta ao mundo sem uma pista de prova que a apoiasse.

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Se passou mais de um ano entre a detenção de Jackson e o início do seu julgamento, tendo os meios de comunicação social sido forçados a tentar segurar a história durante o máximo de tempo que pudera. Conscientes de que Jackson estava emudecido por uma mordaça e, por conseguinte, impotente para responder, os simpatizantes da acusação começaram a vazar documentos como o depoimento policial de Jordan Chandler, em 1993. Os meios de comunicação social, sedentos de escândalos e sensacionalismos, debruçaram-se sobre eles.

Ao mesmo tempo, as alegações vendidas a programas de televisão e tabloides por ex-funcionários descontentes nos anos 90 foram constantemente repetidas e apresentadas como notícia. Pequenos pormenores das alegações da família Arvizo também seriam periodicamente divulgados.

Enquanto a maioria dos meios de comunicação social relatou estas histórias como alegações e não como fatos, a enorme quantidade e frequência de histórias que ligam Jackson a abusos sexuais feios, juntamente com a sua incapacidade de as refutar, tiveram um efeito devastador na imagem pública da estrela.

O julgamento começou no início de 2005 com a seleção dos jurados. Questionado pela NBC sobre as tácticas de seleção dos jurados de acusação e defesa, Dimond disse que a diferença era que os procuradores iriam procurar jurados que tivessem um sentido de “bem contra mal” e de “certo e errado”.

Logo que os jurados foram selecionados, a Newsweek tentou prejudicá-los, alegando que um júri de classe média seria incapaz de julgar com justiça uma família de acusadores de classe baixa. Num artigo intitulado “Jogando a Carta da Classe”, a revista disse: “O julgamento Jackson pode depender de outra coisa que não seja a raça. E nós não nos referimos às provas”.

Quando o julgamento começou, rapidamente se tornou evidente que o caso estava cheio de contradições. A única “prova” da acusação era uma pilha de revistas de pornografia heterossexual e um par de livros de arte legal. Thomas Mesereau escreveu numa moção do tribunal: “O esforço para julgar o Sr. Jackson por ter uma das maiores bibliotecas privadas do mundo é alarmante”. Desde o dia negro de quase três quartos de século atrás, ninguém testemunhou uma acusação que afirmasse que a posse de livros por artistas bem conhecidos era prova de um crime contra o Estado”.

O irmão de Gavin Arvizo, Star, tomou posição no início do julgamento e afirmou ter testemunhado dois atos específicos de molestamento, mas o seu testemunho foi completamente incoerente. Especificamente sobre um dos atos, afirmou em tribunal que Jackson tinha estado a acariciar Gavin, mas numa descrição anterior do mesmo incidente contou uma história muito diferente, afirmando que Jackson tinha estado a esfregar o seu pênis nas nádegas de Gavin. Contou também duas histórias diferentes sobre o outro alegado ato, em dois dias consecutivos, em tribunal.

Durante o exame cruzado, o advogado de Jackson, Thomas Mesereau, mostrou ao rapaz um exemplar da revista “Barely Legal” e perguntou-lhe repetidamente se era aquela edição específica que Jackson lhe tinha mostrado a ele e ao seu irmão. O rapaz insistiu que foi, apenas para Mesereau revelar depois que ela tinha sido publicada em Agosto de 2003; cinco meses depois de a família Arvizo ter visitado Neverland.

Mas esta informação não foi quase totalmente divulgada, os meios de comunicação social concentraram-se nas alegações do rapaz e não no exame cruzado que as minou. As alegações fazem boas manchetes. A investigação e seus detalhes não fazem.

Quando Gavin Arviso foi testemunhar, alegou que Jackson havia provocado o primeiro ato de abuso dizendo a ele que meninos tinham que se masturbar ou virariam estupradores.

Mas Mesereau o interrogou e mostrou que o menino havia admitido que quem disse isso foi sua avó e não Jackson, o que significava que toda a história do abuso estava baseada em uma mentira. Sob interrogatório, o garoto menosprezou severamente a teoria de conspiração da promotoria dizendo que nunca sentiu medo em Neverland e que ele não queria ter ido embora. Sua versão do alegado abuso também foi diferente da de seu irmão.

Infelizmente para Jackson, o interrogatório de Gavin Arvizo foi totalmente ignorado enquanto os jornais soltavam risinhos e fofocavam a respeito do que ficou conhecido “o dia do pijama”.

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No primeiro dia do interrogatório do garoto, Jackson escorregou no chuveiro, machucou um pulmão e foi levado às pressas ao hospital. Quando o Juiz Rodney Melville ameaçou emitir um mandado de prisão para Jackson se ele não aparecesse em uma hora, o cantor correu para o tribunal vestindo as calças do pijama que estava usando quando foi levado ao hospital.

As fotos de Jackson vestindo pijamas percorreram o mundo, na maioria sem menção ao machucado de Jackson ou à razão de ele os estar usando. Muitos jornalistas acusaram Jackson de fingir tudo apenas para ganhar simpatia, embora a reação da mídia tenha sido tudo menos simpática.

O incidente não impediu que a mídia distribuísse as alegações de Gavin pelo mundo no dia seguinte. Alguns meios de comunicação expuseram o testemunho do garoto como fato e não conjectura.

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“Ele disse que se garotos não fazem aquilo se transformam em estupradores — O Garoto do Câncer Gavin Conta no Tribunal como foi o Sexo com Jack” escreveu o The Mirror.

Mas o interrogatório do garoto era outra história. Quase não foi divulgado. Ao invés de histórias a respeito das mentiras de Gavin Arvizo e das alegações contraditórias dos dois irmãos, as páginas dos jornais estavam recheadas de reportagens a respeito dos pijamas de Jackson, apesar de o “dia do pijama” ter acontecido dias antes.

Milhares de palavras foram escritas questionando se Jackson estava ou não usando peruca. O The Sun escreveu um artigo atacando Jackson por causa dos acessórios que ele colocava nos ternos que usava a cada dia. Parecia que a imprensa queria escrever qualquer coisa para evitar ter que discutir o interrogatório do garoto, que menosprezou severamente o caso da promotoria.

Este hábito de relatar alegações lúgubres, mas ignorar os interrogatórios que as desacreditavam, se tornou uma constante durante o julgamento de Jackson. Em abril de 2005, em entrevista a Matt Drudge, o colunista Roger Freidman explicou:

“O que não foi divulgado é que o interrogatório destas testemunhas está sendo fatal para eles.”

Ele acrescentou que quando alguém dizia algo devasso ou dramático sobre Jackson, a mídia “saía correndo para fora do tribunal para divulgar” e acabava perdendo o interrogatório subsequente.

Drudge concordou e acrescentou:

“Você não ouvia como cada testemunha estava sendo massacrada no interrogatório. Não existe, até hoje, uma testemunha que não tenha admitido ter cometido perjúrio neste ou em qualquer outro caso.”

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Este alarmante hábito da mídia de ignorar os interrogatórios ficou talvez mais aparente durante o testemunho de Kiki Fournier. Fournier, uma empregada de Neverland, testemunhou que, em Neverland, as crianças ficavam rebeldes e disse que havia visto crianças tão hiperativas que poderiam, facilmente, ter sido intoxicadas. A mídia correu para noticiar essa “bomba” e perdeu um dos pontos mais importantes de todo o julgamento.

Quando interrogada por Thomas Mesereau, Fournier disse que, durante as últimas semanas da estada da família Arvizo em Neverland — o período durante o qual o suposto abuso ocorreu — o quarto de hóspedes, aonde estavam os dois garotos, estava constantemente bagunçado, a levando a acreditar que eles estavam dormindo neste quarto o tempo inteiro — e não no quarto de Michael Jackson.

Ela também testemunhou que Star Arvizo, uma vez, apontou uma faca para ela na cozinha, explicando que ela sabia que não foi intencional, que achou que era uma brincadeira e que achava que ele estava “tentando estabelecer algum tipo de autoridade”.

O golpe fatal veio quando Fournier foi interrogada sobre a hilária teoria da conspiração da promotoria. Ela riu e disse que ninguém poderia ter sido mantido um prisioneiro em Neverland, dizendo ao júri que não existem cercas altas ao redor da propriedade e que a família poderia facilmente ter saído caminhando de lá a qualquer momento.

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Quando Janet Arvizo, mãe de Gavin e Star, foi testemunhar, Tom Sneddon foi visto com a cabeça entre as mãos em sinal de desespero. Ela alegou que a fita de vídeo com ela e as crianças louvando Jackson havia sido ensaiada palavra por palavra por um alemão que mal falava Inglês.

Na fita ela aparece falando bem de Jackson e depois parece ficar com vergonha e pergunta se estava sendo filmada. Ela disse que isso também foi ensaiado. Ela disse que ficou refém em Neverland apesar de o registro de visitantes e recibos comprovarem que ela deixou o rancho e retornou em três ocasiões diferentes enquanto se encontrava em “cativeiro”.

Ficou aparente que ela estava sob investigação por fraude e que também estava falsamente recebendo dinheiro às custas da doença do filho, recebendo benefícios para pagar pelo seu tratamento do câncer mesmo tendo seguro.

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Até os mais fervorosos simpatizantes da promotoria tiveram que admitir que Janet Arvizo foi uma testemunha desastrosa para o Estado. Exceto Diane Dimond que, em março de 2005, pareceu usar a fraude de Janet Arvizo (que foi condenada durante o julgamento de Jackson) como prova da culpa de Jackson, assinando um artigo do New York Post com o título “Pedófilos não Desejam os Filhos de Ozzie ou Harriet”.

Ao ver o caso desmoronar perante seus olhos, a promotoria pediu permissão ao juiz para inserir provas de “atos de má-fé prévios”. A permissão foi concedida. A promotoria disse ao júri que eles iam ouvir testemunhos de outras 5 vítimas antigas. Mas estes outros casos acabaram se tornando ainda mais risíveis do que as alegações dos Arvizo.

Começou um novo desfile de seguranças desgostosos e empregadas domésticas no banco de testemunhas alegando que haviam visto abuso de outros 3 garotos: Wade Robson, Brett Barnes e Macauley Culkin. Mas estes 3 garotos foram as 3 primeiras testemunhas da defesa, cada um testemunhando que Jackson nunca havia os tocado e dizendo que estavam ressentidos com a insinuação.

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Além disso, foi revelado que cada um dos empregados foram despedidos por Jackson, por roubo na sua propriedade ou haviam perdido algum processo trabalhista e estavam devendo a Jackson grandes quantias em dinheiro.

Eles também se negaram a dizer à polícia quando que haviam supostamente testemunhado os abusos, mesmo quando questionados a respeito das acusações de Jordan Chandler de 1993, mas que subsequentemente haviam tentado vender as histórias à imprensa — algumas vezes, com sucesso. Quanto mais dinheiro estava em jogo, mais libertinas eram as acusações.

Roger Friedman reclamou em uma entrevista a Matt Drudge, dizendo que a mídia estava ignorando os interrogatórios das testemunhas dos casos anteriores, resultando em relatórios distorcidos. Ele disse:

“No início da quinta-feira, a primeira hora foi com esse cara, Ralph Chacon, que trabalhou no rancho como segurança. Ele contou as histórias mais absurdas. Era tudo tão explícito. E, é claro, todos correram para fora para noticiar. Mas 10 minutos antes do intervalo, quando Mesereau o interrogou, ele acabou com o cara.”

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A quarta “vítima”, Jason Francia, testemunhou e disse que, quando era criança, Jackson o molestou em 3 ocasiões diferentes. Quando pressionado a respeito de detalhes a respeito do “abuso”, ele disse que Jackson fez cócegas nele, por fora das roupas, três vezes e que ele precisou de anos de terapia para se recuperar.

O júri revirou os olhos, mas repórteres, incluindo Dan Abrams, alardearam ele como convincente e previram que seria esta a testemunha que colocaria Jackson na cadeia. A mídia declarou repetidamente que as alegações de Francia foram feitas em 1990, fazendo com que o público acreditasse que as alegações de Jordan Chandler haviam ocorrido nessa época.

Na atualidade, Jason Francia disse que o abuso ocorreu em 1990, mas que ele não disse nada até a mídia divulgar as acusações de Chandler. Nesse momento, sua mãe, empregada de Neverland, Blanca Francia, conseguiu 200 mil dólares do programa Hard Copy por uma entrevista a Diane Dimond e mais 2,4 milhões de dólares por um acordo com Jackson.

Transcrições da polícia mostraram que Francia mudou repetidamente sua história e que originalmente havia insistido que nunca havia sido molestado. Transcrições também mostraram que ele só havia dito que foi molestado após a polícia insistentemente perguntar durante interrogatórios. Policiais frequentemente se referiram a Jackson como “molestador”.

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Em uma ocasião, eles disseram ao garoto que Jackson estava molestando Macaulay Culkin naquele momento, dizendo que a única forma que eles tinham de resgatar Culkin era se Francia dissesse que havia sido molestado pelo astro. As transcrições também mostraram que Francia havia previamente dito para a polícia:

“Eles me fizeram inventar um monte de coisa. Eles ficavam insistindo. Eu queria dar um tapa na cabeça deles.”

A quinta “vítima” era Jordan Chandler, que fugiu do país para não testemunhar contra seu antigo amigo. Thomas Mesereau disse, em um discurso em Harvard ano passado:

“A promotoria tentou fazer com que ele aparecesse, mas ele não o fez. Se ele tivesse aparecido, eu tinha testemunhas que afirmavam que ele havia lhes dito que nada havia acontecido e que ele nunca mais falou com os pais de novo pelo que eles o forçaram a dizer. Ele chegou a ir a um tribunal e conseguiu emancipação legal dos pais.”

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June Chandler, mãe de Jordan, testemunhou que não falava com o filho há 11 anos. Quando questionada sobre as acusações de 1993, ela pareceu sofrer de uma severa perda de memória seletiva. Em um momento ela disse que não se lembrava de ter sido processada por Michael Jackson e em outro momento, disse que não soube mais nada do seu advogado. Ela também disse que não testemunhou nenhum abuso.

Quando a promotoria encerrou, a mídia perdeu o interesse no julgamento. A defesa recebeu comparativamente menos espaço nos jornais e nas transmissões. O Hollywood Reporter, que estava reportando todo o julgamento, perdeu duas semanas inteiras do caso da defesa. A atitude parecia ser que, se o testemunho não contivesse relatos pesados e devassos — ou seja, se não gerasse uma boa manchete — não valia a pena noticiar.

June Chandler (FOTO: Reprodução)

A defesa chamou inúmeras testemunhas fantásticas:

– garotos e garotas que haviam ficado com Jackson algum tempo e que também não haviam testemunhado nenhum comportamento inapropriado;

– empregados que haviam testemunhado os irmãos Arvizo se servindo de bebidas alcoólicas quando Jackson estava ausente e celebridades que também foram alvo de tentativa de extorsão pelo acusador.

Mas poucos destes testemunhos foram repassados ao público. Quando o DA Tom Sneddon chamou o ator cômico e negro, Chris Tucker, de “menino” durante seu interrogatório, a mídia não deu um pio.

Quando ambos os lados haviam encerrado, foi dito ao júri que se estivessem com qualquer dúvida razoável, eles teriam que absolver. Qualquer um que estivesse prestando atenção aos procedimentos poderia ver que as dúvidas já estavam muito além do razoável!

Quase toda testemunha da promotoria havia ou cometido perjúrio ou ajudado a defesa. Não havia uma partícula de prova que ligasse Jackson a qualquer um dos crimes e também não havia nenhuma testemunha confiável que o ligasse aos crimes.

Mas isso não impediu os jornalistas e especialistas, liderados por Nancy Grace, da CNN, de preverem vereditos de culpado. O advogado de defesa, Robert Shapiro, que havia representado a família Chandler, afirmou com certeza a CNN:

Nancy Grace (FOTO: Reprodução)

“Ele vai ser condenado.”

Wendy Murphy, ex-promotor, disse à Fox News:

“Não há dúvida de que veremos uma condenação hoje.”

A histeria dos fãs fora do tribunal podia ser comparada a dos repórteres que estavam dentro do tribunal, que estavam tão excitados que o Juiz Rodney Melville teve que mandá-lo se conter. Thomas Mesereau comentou depois que a imprensa estava “quase salivando diante da possibilidade de ver (Jackson) sendo levado para a cadeia”.

“Quando o júri entregou 12 vereditos de ‘inocente’, a mídia foi ‘humilhada’, disse Mesereau em uma entrevista subsequente.

O analista de mídia Tim Rutten comentou:

“Então, o que aconteceu quando Jackson foi inocentado que todas as acusações? Rostos vermelhos? Dúvidas? Um pouco de auto-análise, talvez? Talvez alguma expressão de arrependimento pelo julgamento prematuro?

Nãããããããooooo.

A reação foi raiva misturada com desprezo e uma expressão de confusão. O alvo agora eram os jurados. O inferno não conhece a fúria de um âncora de TV a cabo desprezado.

Em uma conferência pós-veredito, Sneddon continuou a se referir a Gavin Arvizo como “vítima” e disse suspeitar que o “fator celebridade” havia nublado o julgamento dos jurados — uma frase que muitos especialistas da mídia acharam apropriada quando sentaram para menosprezar os jurados e seus vereditos.

Minutos após o veredito ser anunciado, Nancy Grace apareceu na TV para articular que os jurados haviam sido seduzidos pela fama de Jackson e afirmou, bizarramente, que o único elo fraco da promotoria havia sido Janet Arvizo.

“Eu vou comer um sanduíche de corvo agora”, ela disse.

“Não tem um gosto muito bom. Mas quer saber? Também não estou surpresa. Eu achava que a celebridade era um grande fator. Quando você acha que conhece alguém, quando você assistiu aos seus shows, ouviu seus discos, ouviu as letras, achando que elas estavam vindo do coração de alguém… Jackson é muito carismático, apesar de não ter testemunhado. Isso afeta o júri.”

“Eu não vou atirar pedras na mãe (Janet Arvizo), apesar de achar que ela foi o elo fraco no caso do Estado, mas a realidade é que não estou surpresa. Eu achei que o júri votaria a favor e testemunhas similares. Aparentemente a defesa os confundiu com o interrogatório da mãe. Acho que no fundo foi isso, claro e simples.”

Grace falou mais tarde que Jackson “não era culpado devido ao fator celebridade” e foi vista tentando fazer com que o presidente dos jurados Paul Rodriguez dissesse que acreditava que Jackson fosse culpado. Um dos convidados de Grace, a psicanalista Bethany Marshall, nivelou os ataques a uma jurada dizendo “Essa mulher não tem vida”.

Wendy Murphy (FOTO: Reprodução)

Na Fox News, Wendy Murphy apelidou Jackson de abusador Teflon e disse que os jurados precisavam de testes de QI. Depois comentou:

Eu realmente acho que foi o fator celebridade, não as provas. Acho que nem os jurados entendem o quanto foram influenciados por quem Michael Jackson é… Eles basicamente colocaram alvos nas costas de todas, especialmente as mais vulneráveis, crianças que ainda irão entrar na vida de Michael Jackson.”

O analista legal Jeffrey Tobbin disse a CNN que achou que os testemunhos das vítimas dos “crimes anteriores” eram “provas conclusivas”, apesar de vários dos garotos haverem testemunhado em defesa e negaram terem sido molestados.

Ele também disse que a defesa ganhou porque eles “conseguiram contar uma história, e nós sabemos que o júri entende uma história melhor do que fatos individuais.”

Apenas Robert Shapiro teve a dignidade de encarar o veredito, dizendo ao público que eles deveriam aceitar a decisão do júri porque estes eram de uma “parte muito conservadora da Califórnia e se eles não tinham dúvidas, então nós também não deveríamos ter”.

No dia seguinte, no Good Morning America, Diane Sawyer manteve a ideia de que o veredito havia sido influenciado pelo status de celebridade de Jackson.

“Vocês têm certeza?” ela invocou.

“Vocês têm certeza de que este homem mundialmente famoso entrando na sala não influenciou em nada?”

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The Washington Post comentou:

“Um veredito de inocente não limpa o nome dele, só suja a água.”

Ambos, New York Post e New York Daily News copiaram suas manchetes:

Boy, Oh Boy!

Em seu último artigo sobre o julgamento, no New York Post, Diane Dimond lamentou o veredito de inocente dizendo que isso deixou Michael Jackson intocável. Ela escreveu:

“Ele saiu do tribunal como um homem livre, inocente de todas as alegações. Mas Michael Jackson é muito mais do que um homem livre. Ele tem agora carta branca para viver sua vida da forma como quiser, com quem ele quiser, porque… quem tentaria processar Michael Jackson agora?”

No jornal Britain’s Sun, a fofoqueira das celebridades Jane Moore escreveu um artigo com o título:

“Se o júri concordou que Janet Arvizo é uma péssima mãe (e ela É)… Como podem ter deixado Jackson livre?”

Começou assim:

“Michael Jackson é inocente. A justiça foi feita. Ou isso é o que os lunáticos que se juntaram do lado de fora do tribunal querem que acreditemos.”

Ela seguiu questionando a capacidade mental dos jurados e repudiou o sistema judicial americano como imaturo:

“Nada nem ninguém realmente sai vencedor em uma bagunça dessas”, e terminou “muito menos o que eles, risivelmente, chamam de justiça americana”.

Ally Ross, do The Sun, desrespeitou os fãs de Jackson os pintando como “palhaços tristes e solitários”. Outro artigo do Sun, escrito pela apresentadora de TV Lorraine Kelly, intitulado “Não Esqueçam que as Crianças ainda Correm Risco… Jacko está Solto”, rotulou Jackson como um homem culpado.

Kelly — que nunca foi ao julgamento de Jackson — lamentou o fato de Jackson “ter se safado”, reclamando que “ao invés de apodrecer na cadeia, Jackson agora está de novo em Neverland”. “Jackson”, ela concluiu, “é um perdedor doente e triste que usa sua fama e dinheiro para deslumbrar os pais das crianças que ele quer.”

Depois do ataque inicial, a história de Michael Jackson saiu das manchetes. Houve pouca análise dos vereditos de inocente e como eles haviam sido decididos. Uma absolvição foi considerada menos lucrativa do que uma condenação.

Realmente, Mesereau disse nos últimos anos que, se Jackson tivesse sido condenado, isso teria gerado uma fábrica de histórias para a mídia durante anos:

– Verdadeiras sagas seriam criadas em torno da custódia das crianças;

– controle sobre o seu império;

– outras “vítimas” iriam prestar queixas e uma longa estrada de processos e apelações geraria milhares de histórias durante meses, anos, talvez décadas.

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– A prisão de Jackson geraria um suprimento inesgotável de manchetes:

“Quem o está visitando?
“Quem não está?”
“Ele está na solitária?”
“Se não está, quem são seus companheiros de cela?”
“Será que ele tem uma namorada por correspondência? “
“Podemos voar com um helicóptero sobre a prisão e filmá-lo se exercitando?”

As possibilidades eram infinitas. Uma verdadeira guerra sobre quem conseguiria as primeiras imagens de Jackson na sua cela havia começado muito antes de o júri se preparar a deliberar.

Uma absolvição não era tão lucrativa. Em uma entrevista a Newsweek, o chefe da CNN Jonathan Klein disse que enquanto assistia aos vereditos de inocente, falou aos seus assistentes:

“A história agora não é mais tão interessante”.

A história havia acabado.

Não se desculparam, nem se retrataram.

Ninguém foi responsabilizado pelo que foi feito a Michael Jackson. A mídia estava contente em deixar as pessoas continuarem acreditando na sua distorcida e fictícia versão do julgamento. E era isso!

Quando Michael Jackson morreu a mídia entrou em êxtase novamente:

“Que drogas o mataram?”
“Há quanto tempo ele as estava tomando?”
“Quem as prescreveu?”
“O que mais havia no seu organismo?”
“Quanto ele estava pesando?”

Mas uma pergunta ninguém fez:

“Por quê?”

“Porque Michael Jackson estava tão estressado que não conseguia nem ter uma noite de sono decente a menos que alguém injetasse um anestésico no seu braço?”

Eu acho que a resposta está nas diversas pesquisas feitas durante o julgamento de Jackson.

Uma pesquisa da Gallup realizada horas após o veredito mostrou que:

– 54% dos americanos brancos e 48% da população em geral discordava da absolvição do júri;
– 62% das pessoas achavam que o “fator celebridade” havia influenciado nos vereditos;
– 34% disse que estava “triste” com o veredito e 24% disse que se sentia ultrajado.

(FOTO: Reprodução)

A pesquisa da Fox News revelou que:

– 37% dos votantes dizendo que o veredito estava errado;
– mais 25% dizia que “a celebridade compra a justiça”.

Uma pesquisa da People Weekly revelou que:

– 88% (!!!!) dos leitores discordava da decisão do júri.

Após lutar em um terrível e exaustivo julgamento, crivado de acusações inescrupulosas e com o caráter questionado, Michael Jackson deveria ter se sentido vingado quando o júri despejou 14 unânimes vereditos de “inocente”.

Mas a cobertura irresponsável da mídia tornou impossível para Jackson se sentir realmente vingado. O sistema judicial o declarou inocente, mas o público, como um todo, ainda pensava o contrário. Alegações que foram desmentidas no tribunal, permaneceram inquestionáveis na imprensa. Testemunhos duvidosos foram apresentados com fatos. O caso da defesa foi simplesmente ignorado.

Quando questionado sobre aqueles que duvidavam, o júri respondeu:

“Eles não viram o que nós vimos.”

Eles estão certos. Nós não vimos. Mas nós deveríamos ter visto. E aqueles que se recusaram a nos dizer continuam com seus empregos sem punição e livres para fazer exatamente a mesma coisa com qualquer outra pessoa. Isso é o que eu chamo de injustiça!’’

TRADUÇÃO: MJ Beats

Charles Thomson,
Jornalista investigativo
Texto originalmente publicado em 12/5/2010 e modificado com acréscimo de imagens e alguns trechos reescritos por questões temporais

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