EP: Motim
Artista: Marina Lima
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Gravadora: Fullgás/ Altafonte
Cotação: ****
Quando, em 1991, Marina adotou o sobrenome Lima na assinatura artística houve significativa mudança não apenas na grafia impressa nos discos que viriam a partir dali, mas no som desenvolvido pela cantora carioca que, durante toda a década de 1980, dominou as paradas de sucesso com linguagem pop moldada a perfeição para as rádios.
A partir de disco pertinentemente intitulado Marina Lima, a compositora direcionou seu olhar para dentro, compondo de forma cada vez mais introspectiva com acento auto-analítico. Nesta seara, produziu álbum outonal sagrado como um dos melhores de sua trajetória, O Chamado (1993), consolidando essa nova fase interior, que, de tão sólida, ao tentar ser quebrada em disco menos pessoal, Abrigo (1995), causou gatilho depressivo responsável por lançar Marina em processo de afastamento público.
A depressão levou a cantora por caminho menos mercadológico, longe da mídia e dos palcos. Neste cenário, surgiram álbuns que ansiavam uma reconexão interna (Registros à Meia-Voz, de 1996, e Pierrot do Brasil, de 1999), ou perseguiam vindouro passado radiofônico (Síssi na Sua, de 2000, Setembro, de 2001, Acústico MTV, de 2003).
Nenhum surtiu o efeito esperado e a artista então mergulhou em investigações conceituais que geraram bom disco orgânico e subestimado (Lá nos Primórdios, de 2006) e excelente álbum febril sobre mudanças internas e externas (o pouco ouvido Climax, de 2011).
Todo este cenário, orquestrado em salto vital dado ainda em 1991, deságua em Motim, EP lançado na madrugada de sexta-feira, 09, nas plataformas digitais em paralelo a acalentado songbook (Música e Letra) disponibilizado gratuitamente e online no site oficial da cantora com as partituras e cifras de todas as canções gravadas desde seu primeiro álbum, Simples como Fogo, de 1979.
Em Motim, Marina Lima ressoa a paz interior que sempre buscou nos álbuns formatados desde a segunda metade dos anos 90 a respeito da carreira que tomou rumos menos populares desde que, vítima de um erro médico, teve a voz danificada e, sem as notas dos bem sucedidos anos 80, se exilou das grandes massas em prol de público seleto capaz não apenas de aceitar a mudança na voz, mas apreciar as nuances e delicadezas da (já nem tão) nova realidade.
É a este grupo que Motim é destinado. Já na canção de abertura, a bonita e Pelos Apogeus (Marina Lima), a cantora se mostra à vontade como nunca pareceu estar. Gestada pelo violão da artista, a canção é carta de amor não apenas a seus amados e amores, como versa na letra, mas à sua própria trajetória, prestando tributo à sua caminhada sem se privar de análises críticas.
A faixa mostra que Marina está cantando bem como nunca, aproveitando da calma e contemplação do alto de seus (ainda inacreditáveis) 65 anos, sem a urgência social e política de seu álbum anterior, Novas Famílias (2018).
A impressão se consolida na canção-título. Parceria da cantora com Giovanni Bizotto (parceiro também do clássico O Chamado) e do antigo amigo de fé Alvin L., Motim faz singela citação a Acontecimentos (Marina Lima/ Antônio Cícero) e é canção que trata em clima outonal da ansiedade urgente do agora.
Urgência essa que adorna Nóis, que busca alento em meio ao caos de “um vírus matador” e volta a jogar a cantora na pista eletrônica que, desde 1984, cumpre o papel de modernizar seus experimentos musicais. Experimentos esses que chegam a novo patamar ao desossar a figura de Mano Brown, convidado da faixa.
O rapper, líder informal do conjunto Racionais MCs, usa de sua voz tamanha para compor o arranjo em vocalises e backing vocals sedutores. Assim como Alvin L., que ressurge na discografia da artista quinze anos após versionar Beautiful Red Dress, de Laurie Anderson, para compor show e disco Lá nos Primórdios.
O compositor canta e assina ao lado de Marina e de Alex Fonseca (co-produtor do álbum) Kilimanjaro, título menos sedutor, mas ainda imponente o bastante para encerrar Motim, EP de sonoridade clara e direta (mixado por Carlos Trilha) em que Marina Lima se põe em paz com seu tempo e com o futuro, fazendo deste um de seus melhores trabalhos desde Climax (também co-produzido por Fonseca) e apontando para um futuro cada vez mais promissor para a gata todo dia.