Crítica

Marcelo Quintanilha canta com fluidez a música popular erudita em bom disco

Marcelo Quintanilha versa obras de compositores como Mozart e Beethoven em álbum

Publicado em 30/04/2021
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EruDito

Artista: Marcelo Quintanilha

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Gravadora: Yb Music

Cotação: *** 

Em 1976, ao publicar seu Poema Sujo, Ferreira Gullar (1930-2016) dava início, sem saber, a um movimento que, embora não resultasse usual, ajudou no processo de naturalização da música erudita dentro do cenário popular ao propor letra então extraoficial para Tocata, tema da sinfonia Bachianas Brasileiras nº 2, de Heitor Villa-Lobos (1887-1959).

Surgiu então O Trenzinho do Caipira, letra para a obra do compositor erudito que ganharia o cenário da música popular brasileira dois anos depois, quando Edu Lobo incluiu o tema no repertório de seu álbum Camaleão (1978).

A partir daí, uma série de experiências ganhou o mercado fonográfico culminando em Céu de Santo Amaro, obra prima do repertório de Flávio Venturini composta a partir do tema Arioso, da sinfonia Cantata nº 156, do compositor alemão Johann Sebastian Bach (1685-1750) e lançada em 2003.

Ainda que o processo de fusão entre as linguagens tenha como marco zero o registro de Melodia Sentimental (poema de Dora Castellar sobre tema de Villa-Lobos) na voz tamanha da divina Elizeth Cardoso (1920-1990) em 1967, foram as experiências de Venturini e Gullar que levaram o cantor e compositor paulistano Marcelo Quintanilha a mergulhar no universo da música erudita para emergir em EruDito, álbum lançado em meados de março onde o artista exercita a composição ao letrar 11 temas de compositores ligados ao universo da música clássica.

Sob a produção e direção artística de Luca Raele e Camilo Carrara, Quintanilha não só letrou temas eruditos, como também aproximou musical e estilisticamente as linguagens a partir do toque do quarteto formado pelo cantor (voz e violões) ao lado de Raele (piano e clarinete), Carrara (violões, bandolim e guitarra) e Danilo Vianna (baixo acústico), além das esporádicas participações de Peu Del Rey e Danilo Moura (percussão) e Edmilson Capelupi (violão 7 cordas).

Em EruDito, Quintanilha viaja com fluência pelo universo musical de autores como Claude Debussy (1862-1918), Franz Schubert (1797-1828), Frédéric Chopin (1810-1849), Johannes Brahms (1833-1897), Tchaikovsky (1840-1893), Wolfgang Amadeus Mozart (1756-1791) e Bach em canções que se encaixam com precisão à voz do cantor.

Longe de arroubos vocais, o artista persegue a delicadeza de interpretações singelas que marcam desde a faixa de abertura, Dor e Dó, baseado na Ária da Suíte nº 3 BV 1068, de Bach, até a derradeira Boas Novas, composta a partir de Polonaise, da Suíte Francesa nº 6, também de Bach.

É verdade que, como letrista, Quintanilha nem sempre está à altura das canções que versa, o que faz canções como Inverno (a partir do Largo do Concerto Op. 08 n’4, de Vivaldi) e Sonhos (sobre Rêverie, de Debussy) soem menos inspiradas na seleção, que tem como bons destaques temas como Rima Ideal (a partir do Adagio Cantabile, de Beethoven) e Senhor e Rei (sobre Andante, de Mozart).

Capa do álbum EruDito

Contudo, é inegável que os destaques são as canções editadas, desde outubro de 2020, como singles promocionais. As participações de Padre Fábio de Melo, Virgínia Rodrigues, Mônica Salmaso e Daniela Mercury fazem diferença no resultado final do álbum, que cresce exponencialmente quando Quintanilha abre espaço para que os convidados brilhem.

Ainda que ameace soar meramente protocolar, a participação de Fábio de Melo (em Nem País, Nem Paz, sob o Poco Allegretto, de Brahms) resulta delicada, assim como Virgínia Rodrigues solidifica as pontes pretendidas com a música erudita ao pôr sua estupenda voz a serviço de Bem me Quer (sobre a abertura da ópera Romeu e Julieta, de Tchaikovsky).

Mônica Salmaso angaria um dos grandes momentos de EruDito ao interpretar Três Sinais, uma das melhores composições de Quintanilha (baseada no Improviso Número 3 de Schubert) em registro luminoso.

Daniela Mercury, por fim, baixa o tom e surge delicada ao brincar o Carnaval de Viena (a partir do Intermezzo do Carnaval de Viena, de Schumann), a melhor canção do álbum e também o grande momento de Quintanilha como compositor.

Enfim, EruDito é álbum que resulta verdadeiramente interessante ao solidificar em novo passo a aproximação da música erudita com os temas populares brasileiros, fazendo de obras clássicas europeias canções próximas a movimentos como a marcha-rancho e a bossa tipicamente brasileiros. É disco que, a despeito de irregularidades, já nasce como importante passo dentro não apenas da discografia de Quintanilha, mas no estudo da música brasileira.

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