O músico nordestino Romero Ferro acaba de lançar o clipe de “Chega Perto” em parceria com a cantora Doralyce. Num bate-papo com o Observatório de Música, o musicista fala sobre o novo single, sua carreira e referências além de ideais na música. Confira abaixo:
1-Chega Perto tem elementos claros duma mistura de música nordestina com sintetizadores. Pela primeira vez na história do streaming brasileiro, o sertanejo vem cedendo lugar para ritmos como o forró e piseiro. Você acha que a onda nordestina chegou para ficar?
Romero – “O nordeste sempre foi um celeiro criativo extremamente forte, berço de grandes artistas que ditaram tendência no cenário musical. Eu acho que é tudo muito cíclico, a música ela vai se reabastecendo e se reciclando, e isso é bonito de ver! Por muito tempo, os artistas precisavam vir para o sudeste para fazerem “sucesso”, mas o movimento da internet e do streaming dissolveu essa hegemonia. O nordeste tem um tropicalismo que o brasil precisa, aquele temperinho que dá o toque final, sabe? Então eu quero que essa onda fique, e que a gente possa cantar com o nosso sotaque, e as nossas referências em qualquer palco do país!“
Carregando...
Não foi possível carregar anúncio
2-Uma ex-BBB musicista foi criticada na web esta semana por afirmar que pela primeira vez a música nordestina vem galgando lugares que não foram alcançados antes. Muita gente apontou que a cantora teria esquecido de expoentes da música brasileira como Caetano, Dominguinhos e ícones da axé music. Você acompanhou esta polêmica? Acha que esta nova onda nordestina pode ser tão forte como já foi há décadas?
R – “Eu não acompanhei a polêmica, mas é tudo uma questão de ciclo e momento, o nordeste sempre teve trabalhos vanguardistas, e impactantes, assim como as outras regiões têm seus pontos fortes. Mas a gente já vinha construindo essa nova onda há tempos, e agora posso dizer que ela está na crista novamente? Acredito muito que sim, e sei que esse momento vem em um contexto social e político difícil, por isso a importância de ampliar os discursos e quebrar o preconceito com nós todes do lado de cá. Já me disseram uma vez que eu precisava aprender a cantar sem sotaque, e eu fiz fonoaudióloga para “corrigir” isso, veja que loucura?! Existia esse pensamento há 5 anos, mas hoje é o inverso, o meu sotaque é o meu registro, minha identidade, e eu tenho um orgulho danado! Não existe música brasileira sem o Nordeste, simples assim, basta ver todos os grandes nomes da música brasileira que vieram de lá. Vocês falaram em Dominguinhos, meu conterrâneo de Garanhuns e me bateu uma nostalgia enorme. Foi com ele que subi a primeira vez num palco, ainda criança. (viajei no tempo, agora!)”.
3- O saxofone no refrão e no gancho de “Chega Perto” trazem um flerte com o brega. Você acompanhou o fenômeno Rita do Tierry nos últimos meses? Quais são suas influências no gênero?
R – “O brega também tá no meu sangue, quem é de Pernambuco nasce ouvindo brega além do forró, e do frevo. E é a melhor coisa que poderia acontecer, porque você já cresce com um molejo que é só nosso. As minhas composições estarão sempre passando pelo brega, pelo bolero, e pela musica tropical, que eu amo! De referências posso falar do Reginaldo Rossi, Priscila Senna, Kelvis Duran, Michelle Melo, Nega do Babado… tem demais! O Tierry faz mais algo dentro do arrocha, que é também incrível!”
4-Como surgiu a parceria com Doralyce?
R – “Apesar de sermos pernambucanos, só me aprofundei no trabalho de Doralyce, durante a pandemia, e desde então, fiquei com muita vontade de propor essa parceria. Admiro demais a mulher forte e talentosa que ela é! Mandei um trecho para ela, e depois ela fez uma segunda parte linda! Eu acho tão potente, pop e tropical! A mistura ficou a nossa cara. Estamos trabalhando pra que a nossa música seja tocada em mais rádios pelo país! Quero fazer mais lançamentos que fortaleçam a cena da música tropical brasileira, que fortaleçam os nossos regionalismos e sotaques. É sobre isso!“
5-Como você vê o fato da norte-americana Lady Gaga estar cantando um forró com Pabllo Vittar?
R – “É um marco! A Pabllo é o Brasil que deu certo! E quando eu vejo ela chegando tão longe, sinto um misto de felicidade com esperança, por ela representar o nordeste, a música tropical, a comunidade LGBT+! Quero ela bem grande cantando “Amor de Que” na Times Square, e quero um feat com ela também! Quando a gente fez o Galo da Madrugada juntos, em 2020, foi alucinante!“
6-Recentemente o seu nome esteve envolvido numa discussão levantada no Twitter. Nos últimos tempos um dos principais sites de música no país foi criticado por supostamente só dar espaço para cantores gays caucasianos. Você acha que falta uma maior variedade LGBT no mainstream nacional? Como você vê o fato de muitos gays continuarem preferindo ouvir cantoras heterossexuais do que artistas LGBTQIA+?
R – “A variedade LGBTQIA+ no mainstream tá longe de ser perfeita, mas já foi pior. A industria musical por muito tempo foi majoritariamente hetero, cis, e branca, por uma questão estrutural que envolve desde a forma em que fomos colonizados até hoje. E esse problema reverbera em tudo, na arte, nas profissões, no sistema! Por isso, é extremamente importante que entendamos o nosso lugar na sociedade, os nossos privilégios, e como podemos combater os efeitos que todas essas disparidades causam. Cabe a nós cobrar e promover inclusão, debater, se expressar, protestar, por respeito, espaço, equidade. Precisamos estar em todos os lugares, não apenas nas playlists LGBTs, Festivais LGBTs, nas ações do mês do orgulho, mas em tudo, o ano inteiro! E sobre preferir ouvir cantores heterossexuais a LGBTs: Não deve existir uma competição, mas que heterossexuais são esses? O que eles defendem? Vejo muitos artistas heteros abraçando a nossa bandeira sem entender 1% da nossa luta, então eu não consigo absorver esse tipo de pessoa. Caio fora! E se compactuar com o presidente atual, pior ainda!“.