No último domingo (28), o jornal britânico The Telegraph noticiou que a farmacêutica AstraZeneca admitiu em um processo judicial movido na Inglaterra que a vacina contra a Covid-19 desenvolvida pela empresa pode aumentar o risco de coágulos sanguíneos, que consequentemente levam à trombose.
Um grupo de 51 pessoas pedem indenização à farmacêutica alegando terem passado por eventos assim. Em sua defesa, a AstraZeneca disse que a vacina “pode, em casos muito raros, causar síndrome de trombose com trombocitopenia (TTS)”. A síndrome de trombose com trombocitopenia leva à formação de trombos que podem entupir veias ou artérias do organismo.
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Risco já era conhecido
Após uma investigação sobre casos de coágulos sanguíneos que surgiram em pessoas vacinadas em 2022, a Agência Europeia de Medicamentos (EMA), concluiu que esses eventos deveriam ser listados como efeitos colaterais “muito raros” do imunizante. Na ocasião, foi divulgada a incidência aproximada de 1 caso a cada 100 mil doses aplicadas da vacina, ou seja, o risco estaria abaixo de 0,001%.
À época especialistas ressaltaram que os benefícios da vacinação contra a Covid-19 superavam em muito os riscos potenciais. A comunidade médica também acrescentou que os riscos de trombose em caso de contaminação do vírus eram bem maiores. Um estudo de 2021 apontou que havia chances de 8 a 10 vezes maiores de desenvolver trombose sem a imunização do que recebendo a vacina.
Renato Kfouri, vice-presidente da Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIm), acrescenta ainda em entrevista que a informação admitida no processo judicial já era de conhecimento público: em casos raríssimos, pode ocorrer a TTS a partir da aplicação do imunizante.
“Existe a possibilidade de efeito adverso de vacinas de vetor viral, isso nós já conhecíamos desde 2020. Mas, como estávamos em uma situação de pandemia, obviamente, os riscos da doença eram muito maiores do que a raridade desse evento adverso. O que se passou com o tempo, e cada vez ficou mais evidente, é que temos opções mais seguras nas vacinas, especialmente as de RNA mensageiro, como as da Pfizer, que são as mais usadas hoje”, aponta.
Aplicação no Brasil
O imunizante da grande farmacêutica foi produzida em consórcio com a Fiocruz e aplicada em 153 milhões de brasileiros, principalmente em 2021 e em 2022. A bula do imunizante continha o aviso de que pacientes que já haviam tido coágulos ou baixos níveis de plaquetas não deveriam tomar a vacina.
Em novembro de 2023, o Ministério da Saúde informou que “foram raros os eventos graves atribuíveis à vacinação ou à imunização com a vacina AstraZeneca/Fiocruz no Brasil, com incidência menor do que dois casos para cada 100 mil doses aplicadas para cada tipo de evento registrado”, informou. Ou seja, cerca de 300 brasileiros sofreram a síndrome de trombose, com consequências que variaram entre leve e grave.
“Quando fazemos o uso de um medicamento em escala mundial, é comum que apareçam eventos inesperados pela atuação dele em milhões de organismos diferentes. O que vimos é que este tipo de trombose é muito rara, formam-se os coágulos em lugares pouco comuns, como na barriga ou no sistema nervoso”, explica Kfouri, reforçando que as vacinas – todas – são tratamentos seguros, uma vez que passam por um rigoroso processo de desenvolvimento e aprovação.
AstraZeneca não foi a única
O imunizante da Janssen também foi alvo de acusações parecidas de risco aumentado de TTS. Devido a isso, ambas vacinas perderam espaço após o fim da pandemia e deixaram de ser compradas pelo governo brasileiro. As vacinas de mRNA se tornaram dominantes e, agora, são praticamente as únicas sendo aplicadas.
“O número de pessoas salvas naquele contexto foi infinitamente maior que o de eventos adversos, sabíamos dessa rara possibilidade, mas era outra situação epidemiológica e em uma emergência lutamos para salvar vidas, e essas vacinas salvaram muitíssimas. Como a situação mudou, porém, agora temos produtos muito mais seguros e podemos optar por ficar só com eles”, pondera Kfouri.
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