
O lendário disco Unfinished Music No 1: Two Virgins, lançado há mais de 50 anos por John Lennon, é um dos trabalhos mais queridos dos fãs fervorosos dos Beatles. O projeto foi o primeiro duma trilogia de três álbuns experimentais que John Lennon e Yoko Ono gravaram com sons de canto dos pássaros, gritaria, amplificadores, loops de fita e instrumentação distorcida. Tudo isto foi gravado em uma sessão de um dia na casa Surrey de Lennon. “Era meia-noite quando terminamos, e depois fizemos amor ao amanhecer”, lembrou Lennon. “Foi muito bonito.”
Veja também:
Você sabia? Astrud Gilberto já perdeu categoria histórica no Grammy para os BeatlesApós assassinato, restos mortais de cantor dos Beatles foram transformados em ponto turísticoMulher SURTA ao perceber astro dos Beatles de penetra em sua foto; relembre!A gravação vanguardista aborreceu ou enfureceu a maioria dos críticos. Ao pensar no álbum de John Lennon e Ono, George Harrison foi diplomático, mas astuto: “Eles estavam de tal forma interessados uns nos outros que pensavam que tudo o que diziam ou faziam era de importância mundial, e por isso fizeram-no em discos e filmes”, disse ele. As músicas do álbum nunca iriam chegar ao mainstream (só vendendo 5.000 cópias no Reino Unido), mas o seu aspecto visual causou bastante agitação – a capa consistia numa única imagem sépia dos pombinhos de pé completamente nus.

“Mesmo antes de fazermos este disco, imaginei produzir um álbum dela e pude vislumbrar a capa deste álbum a ser despida porque o seu trabalho era tão puro”, disse Lennon numa entrevista com David Sheff. “Não consegui pensar noutra forma de a apresentar”. A dupla confessou sentir-se “um pouco envergonhada” quando chegou a altura de despir a roupa para a sessão fotográfica, por isso o próprio Lennon tirou a foto usando o recurso com tempo de espera.
“Não foi uma ideia sensacional nem nada”, insistiu Lennon, mas sendo sempre capaz de conseguir provocar a imprensa, pois – para além de uma cama não arrumada – a única outra coisa visível na capa era uma cópia do jornal conservador The Times. Esta não era uma escolha óbvia para um notório músico esquerdista, e quando Lennon mostrou a arte ao colega de banda dos Beatles, Ringo Starr, o baterista foi rápido ao entender a provocação.
“A capa era um “soco no estômago”, disse Starr na The Beatles Anthology. “Ele mostrou-me a capa e eu apontei para o The Times: ‘Oh, até tem o The Times nele…’ como se ela não tivesse o seu pint* pendurado”.
“Eu disse: ‘Ah, vá lá, John. Está fazendo tudo isto e pode ser tranquilo para ti, mas você sabe que todos nós teremos de responder. Não importa; o que quer que um de nós faça, todos temos de responder por isso”.

É certo que os jornais fizeram da fotografia com o nu artístico um escândalo, por mais inocentes que fossem as intenções por detrás dela. O assessor de imprensa dos Beatles, Derek Taylor, resumiu a resposta de grande parte do público ao projeto na Antologia do grupo: “Esta coisa imunda! Olhem para estas pessoas imundas!” e havia um grande círculo sobre a parte obscena e uma seta: “Aqui é onde a parte obscena estaria se pessoas como nós não fossem tão decentes. Não sonharíamos em mostrá-la a vocês – mas elas não são horríveis!”.
Numa tentativa de realçar a hipocrisia da reação conservadora à capa, Taylor teve a ideia de acrescentar à capa uma linha bíblica do capítulo dois do Gênesis bíblico: “E ambos estavam nus, o homem e sua esposa, e não tinham vergonha.”
A justificação bíblica não ajudou. A gravadora EMI recusou-se a distribuir o disco mundialmente e a Track e Tetragrammaton só o fez depois de as cópias do disco terem sido embaladas em envelopes de papel pardo. Porém, diversas lojas recusaram-se a armazenar o disco, e em Newark, New Jersey, onde havia cerca de 30.000 cópias a venda, as unidades foram confiscadas pela polícia e apreendidas. Sissy Spacek até lançou uma canção sobre a capa intitulada: “John, You Went Too Far This Time”.

Two Virgins, assim foi nomeado o projeto porque a dupla se sentia como “dois inocentes, perdidos num mundo que enlouqueceu” e porque consumaram a sua relação após a gravação, sendo um dos primeiros exemplos de censura da arte na história.
Nos 50 anos desde o seu lançamento, pouco mudou. Em 1974, a criatura artística de David Bowie que estava na capa do Diamond Dogs teve os seus órgãos genitais censurados. No mesmo ano, a capa icônica da Roxy Music para a Country Life, com duas mulheres em lingerie, recebeu uma reedição que apenas mostrava o arbusto de pinheiro que se encontrava atrás deles.
Mais recentemente, em 2010, cerca de 42 anos depois de John Lennon, algumas lojas rejeitaram o My Beautiful Dark Twisted Fantasy de Kanye West porque a sua capa apresentava um pequeno desenho de West a ser montado por uma mulher nua e alada. A Amazon optou por utilizar uma das obras de arte alternativas para o álbum – uma bailarina segurando um copo de vinho – na sua página de pré-encomenda.

O lançamento de Two Virgins de John Lennon coincidiu com a difusão da segunda onda de feminismo e com a publicação do ensaio de Lew Louderback intitulado “More People Should be Fat!”, que procurava corrigir a vergonha do corpo e fazia nascer um movimento à sua volta.
“A imagem era para provar que não somos um casal de loucos dementes, que não somos deformados de forma alguma e que as nossas mentes são saudáveis”, disse Lennon em Anthology. “Se conseguirmos fazer a sociedade aceitar este tipo de coisas sem ofensa, sem rir de nós, então estaremos a alcançar o nosso propósito.
Diante de tudo isto, acabamos nos lembrando de tantos músicos que atualmente falam em aceitar o próprio corpo, por muito moderno que isso possa soar. Sendo assim, Lennon e Ono acabaram provando que estavam bem à frente do seu tempo neste assunto.

(Artigo publicado no Independent pelo jornalista Christopher Hooton)