Há dois anos atrás, o filme ‘Yesterday’(2019) levantou a bola hipotética de um mundo onde The Beatles, simplesmente a banda mais popular de todos os tempos, não existisse (no melhor estilo What If…? da Marvel/Disney+). Mas é até difícil mensurar o estrago que faria para o mundo, em especial o mundo da música, se os Beatles simplesmente não tivessem existido ou alcançado a fama. Digo isto não apenas porque jamais existiria a icônica fotografia do quarteto atravessando a rua rumo ao mitológico estúdio Abbey Road, ou porque nunca ouviríamos canções como Love Me Do, Here Comes The Sun, Come Together ou até mesmo a epifania exótica de I Am the Walrus (que particularmente gosto na versão com Jim Carrey), mas principalmente pelo efeito borboleta (e não me refiro ao filme) que a ausência do elemento Beatles iria causar. Explico:
Sabemos que os Rolling Stones assinaram contrato com a Decca porque George Harrison os recomendou. Do mesmo modo, eles começaram a escrever canções porque se inspiraram ao ver Lennon e McCartney trabalhando. Também sabemos que eles invadiram os Estados Unidos porque os Beatles fizeram sucesso na América e, deste modo, outras bandas britânicas de rock os seguiram. Então, se não tivéssemos os Beatles, é possível que Mick e Keith tivessem vivido sua carreira tocando covers de blues em clubes de Londres e depois desistido para fazer outra coisa. Logo, Mick Jagger não seria famoso e, como consequência, provavelmente não teríamos Superpop com Luciana Gimenez (risos sarcásticos).
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Bob Dylan passou a tocar guitarra elétrica nas suas gravações após ter conhecido os Beatles em 1964 e ter sido impactado por eles. Embora Lennon e McCartney na época também possuíssem grande admiração por Dylan, sem a música dos Beatles é possível que ele continuasse como um artista folk.
Os Beach Boys podem ter tido um empurrãozinho para criar Pet Sounds, mas é possível que, sem a rivalidade que Brian Wilson sentia por Lennon e McCartney, ele pudesse se contentar em refazer sucessos de Chuck Berry e escrever sobre surf, e só.
Talvez os Monkees tivessem acontecido, mas outra banda teria que ter feito um filme tão grande como A Hard Day ‘s Night primeiro.
Talvez Ozzy Osbourne, Bruce Springsteen, David Bowie, Pink Floyd e dezenas de outros tivessem pegado seus instrumentos e se tornado músicos, mas talvez não. Todos esses eram declaradamente inspirados pelos Beatles.
AB/DB
A música ocidental pode, sem medo de estar cometendo injustiça, ser dividida em “antes dos Beatles” e “depois dos Beatles”. Vamos brincar um pouco e chamar esse milestone de AB e DB (risos). Mas lembre-se que toda brincadeira tem um fundo de verdade.
Antes dos Beatles, o modelo para a música pop era geralmente assim: os compositores escreviam canções e artistas e / ou “grupos de canto” gravavam essas canções. Algumas bandas e artistas escreviam seu próprio material, mas, geralmente, compor, tocar, cantar e gravar eram habilidades distintas. Até que os Beatles, junto com seu produtor lendário Sir George Martin (de abençoada memória que nos deixou em 2016), chamado não à toa de ‘o quinto Beatle’, uniram todas essas quatro habilidades em uma banda, e a música nunca mais foi a mesma.
Um mundo sem os Beatles seria o equivalente a Leonardo da Vinci nunca pegar um pincel ou Shakespeare concluindo que Hamlet não valia a pena. Sem eles, quem teria gerado o impulso para seus contemporâneos? Keith Richards talvez tivesse dedicado uma vida nômade a trabalhar como terapeuta anti-dependência. Elton John e Billy Joel estariam tocando covers de Frank Sinatra e Perry Como em bares no centro comercial de suas cidades, enquanto Liam e Noel Gallagher poderiam ter acabado atrás das grades, vítimas de sua juventude desperdiçada.
Sem os Beatles e a gloriosa revolução que fizeram na década de 60 em diante, provavelmente teríamos visto uma continuação da maneira como as coisas eram feitas nos anos 1950 e início dos anos 60. Os compositores ainda teriam escrito canções para artistas com mais frequência e os artistas teriam gravado essas canções usando músicos de estúdio. Pasmem: não era comum as bandas gravarem seu próprio material, por diversos motivos, desde inexperiência até aceleração e custos do processo. Alguns ainda podem ter tocado seus próprios instrumentos e escrito suas próprias canções, como Buddy Holly e outros fizeram antes dos Beatles. Mas essas habilidades poderiam ter permanecido amplamente separadas, até hoje.
Se tudo continuasse igual, os vencedores neste cenário podem ter sido compositores (grandes compositores que não eram tão bons em se apresentar) e músicos de estúdio (exceto os muitos que podem ter permanecido no estúdio em vez de ganhar o estrelato como guitarristas, baixistas e bateristas de bandas de rock). Os perdedores podem ter sido a maioria das grandes bandas dos anos 60 e além, que foram inspirados a escrever suas próprias músicas com o sucesso dos Beatles, e poderiam não ter chegado lá sem os Beatles abrindo caminho primeiro. Alguns dos maiores instrumentistas da época podem nunca ter se tornado famosos, mas apenas se tornaram músicos de estúdio, tocando em gravações para os grandes vocalistas da época.Se for esse o caso, o público que ouve música seria outro perdedor.
O mais curioso: se McCartney não tivesse conhecido Lennon, ele poderia ter se tornado um professor de inglês que se dedicou a escrever canções, se especializando em canções sobre animais – melros, guaxinins e velhos cães pastores ingleses. Lennon poderia ter sido um artista de rua que tocava do lado de fora de uma barbearia de Penny Lane em Liverpool, eventualmente entrando no mundo dos jingles de publicidade.
Apesar de toda a especulação que apresentei acima, com base no que conhecemos da biografia dos Beatles e seus influenciados, nós não sabemos como seria, e nem seria possível saber com precisão, um mundo sem Beatles, mas sabemos que os Beatles mudaram tudo na música moderna e tiveram mais influência do que qualquer um antes ou depois (com as possíveis exceções de Elvis e Dylan). Devemos apenas ser gratos por terem estado conosco enquanto estiveram.